De pai para filho
Festival Internacional da Sanfona reúne músicos na Bahia e celebra instrumento caro e pesado que virou tradição familiar
É comum associar a sanfona às festas populares. Instrumento de som encorpado, é mesmo presença forte nesses eventos, no Brasil e no mundo. Mas, assim como é chamada de nomes variados, como acordeom ou gaita, também é utilizada em vários estilos, do folclórico ao erudito.
Uma amostra dessa amplitude foi exibida no 3º Festival Internacional da Sanfona, em Juazeiro, na Bahia.
Além de brasileiros, músicos de quatro países se apresentaram em concerto no Centro Cultural João Gilberto e em um show ao ar livre, às margens do rio São Francisco, que encerrou o evento no último sábado (18).
Em meio a essa variedade, uma coisa em comum: praticamente todos os sanfoneiros entrevistados pela Folha têm pais que passaram a eles o amor ao instrumento. A única exceção é curiosa: o pai de um deles não sabe tocar, mas é consertador de sanfonas.
O curador do festival é um exemplo. Targino Gondim, 42, tem carreira de sucesso desde jovem, embora tenha começado a tocar só aos 12 anos –"Foi muito tarde", diz.
Seu pai, caminhoneiro, passava muito tempo longe de casa e, quando voltava, tocava sanfona e colocava alguns dos dez filhos para acompanhá-lo tocando zabumba ou triângulo.
Até que um irmão de criação de Luiz Gonzaga, Eugênio, que o pai conhecera no Rio de Janeiro, foi à casa e tocou músicas do irmão. Quando ouviu "Asa Branca", Targino foi aprender a tocar.
"Tem uma garotada muito boa tocando hoje, ainda muito nova", diz Targino. Ele concorda que já ter uma sanfona da família faz diferença, por ser um instrumento caro –preços variam de R$ 2.000 a mais de R$ 20 mil. "E pesado", acrescenta. Alguns modelos chegam a 15 kg.
NOVA GERAÇÃO
Na primeira noite, na terça (14), Vynicius Soares Amorim subiu ao palco e tocou justamente ao lado de Targino. Com o nome artístico Vyni do Acordeon, ele toca uma barbaridade e tem 11 anos.
O festival organizou oficinas com mestre Gennaro, referência do instrumento, e os alunos eram jovens também acostumados a videogame e redes sociais. "Aqui não tem só cabra do sertão como você está pensando", disse um rapaz ao repórter.
O público noturno nos concertos no auditório do Centro Cultural João Gilberto misturava gerações. De qualquer idade, demonstravam intimidade com a sanfona. Durante as apresentações das finais do Concurso de Sanfoneiros, grupinhos na plateia comentavam o desempenho de cada candidato como se fosse uma partida de futebol. Essa audiência qualificada aplaudiu o vencedor, Nonato Lima.
Mais uma prova da presença de muitos sanfoneiros também fora do palco era demonstrada todas as noites. Foi montada no hall de entrada do centro cultural uma exposição de sanfonas Leticce, grande fabricante brasileiro do instrumento.
Sem a menor cerimônia, homens e meninos pegavam as sanfonas expostas e tratavam de improvisar alguma música, formando duplas, trios ou quartetos pelo salão.
Targino, que dirige o festival com Celso de Carvalho, diz que eles querem uma nova edição no ano que vem. Depois das duas primeiras, em 2009 e 2010, o patrocínio para outra só veio neste ano, com o Ministério da Cultura.
Nos arredores da área do festival, era impossível não ouvir algum som de sanfona durante tardes e noites. É a força do amor dos músicos por um instrumento que, como eles gostam de falar, "a gente toca abraçando".