Entrevista Woody Allen
O trabalho do artista é mostrar às pessoas que tudo é insignificante
CINEASTA DIZ QUE TENTA DISTRAIR PÚBLICO DO QUANTO A VIDA PODE SER TERRÍVEL E QUE COMÉDIAS SÃO SOBREMESAS, ENQUANTO FILMES SÉRIOS SÃO OS PRATOS PRINCIPAIS
Prestes a completar 80 anos, Woody Allen segue sua rotina: acorda cedo, leva os filhos adolescentes –adotados com a mulher, Soon-Yi Previn, filha adotiva de sua ex-mulher Mia Farrow– para a escola, caminha na esteira e depois passa horas na cama ou na máquina de datilografar que o acompanha há mais de 60 anos.
É assim que Allen, um dos cineastas mais importantes da história, continua a dirigir e escrever um filme por ano.
No mais recente, "O Homem Irracional", previsto para estrear no Brasil no dia 27, o nova-iorquino conta a história de um filósofo superstar, interpretado por Joaquin Phoenix, que reencontra a felicidade quando se envolve com uma aluna (Emma Stone) e comete um ato "irracional".
Durante o Festival de Cannes, no qual o longa foi exibido fora de competição, em maio, Allen falou à Folha sobre morte, frustrações, mulheres bonitas e o projeto no Rio que nunca foi adiante.
Folha - Você gosta de divulgar seus filmes em festivais?
Woody Allen - Gosto de vir a Cannes, mas o problema é que [os produtores] esperam que você promova seu filme. Não quero ser aquela pessoa que diz como o filme é ótimo. Então, é meio constrangedor. O que eu tenho a falar é irrelevante, porque dirigi e escrevi o longa, então é claro que vou dizer que tal coisa é maravilhosa. Mas estarei mentindo (risos).
Não acha engraçado que em todas as vezes que você lança um filme algum crítico apareça com a frase "Woody Allen está de volta à velha forma"?
Nunca leio sobre mim mesmo porque as pessoas sempre entendem errado. Mesmo quando querem ser gentis, e elas são gentis, entendem errado. Quanto menos penso em mim mesmo, melhor fico.
É surpreendente que não leia sobre si mesmo ao mesmo tempo em que divaga sobre a existência em seu novo filme.
Me preocupo bastante com a minha mortalidade. São questões que sempre me incomodaram. Não me considero um cineasta político, mas sou como cidadão. Mas quando falo de arte, estou interessado nos temas existenciais. Mesmo que seja para fazer piadas.
Quando você tomou consciência da própria mortalidade?
Talvez em uma idade parecida com a de todo o mundo, em torno dos quatro, cinco anos.
Tão cedo?
Ah, isso acontece. Psicólogos dizem que é normal.
Então, você encarou isso de maneira filosófica em vez de enfiar a cabeça em gibis?
Correto. Há pessoas mais ajustadas do que eu que diriam: "É algo inevitável, vou aceitar e aproveitar a vida". Mas não consigo. Sou mimado, penso como a morte vai estragar tudo. E, se esse é o caso, vou pegar minha bola e levar para casa (risos).
Você está prestes a fazer 80 anos e com uma carreira ainda ativa e brilhante. No fim das contas, você se deu bem, não?
Tive muita sorte, preciso admitir. Nunca fui um bom aluno. Era atlético quando jovem e estava interessado em esportes e jazz, nada cerebral demais. Porém, tive a sorte de saber, por alguma razão inexplicável, escrever piadas. Ninguém na minha família era engraçado ou participou do showbusiness em algum momento das suas vidas.
Contar piadas salvou minha vida e passei a trabalhar no teatro e na TV. Você ganha uma quantia exagerada no entretenimento e, em pouco tempo, eu tinha mais dinheiro com humor do que meu pai em toda a sua vida.
Ao mesmo tempo, você queria ser o Bergman americano.
Sim, eu queria ser sério, escrever tragédias e virar Eugene O'Neill, Bergman ou Tennessee Williams. Queria escrever dramas pesados, e poderia fazer isso, mas ninguém me dava oportunidades. Me contratavam porque precisavam de alguém que soubesse escrever comédia, e poucas pessoas sabiam.
Quando comecei a fazer filmes, ninguém financiaria se fosse um drama, apenas quando era uma comédia. Só mais tarde, depois de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977) e outros filmes, que a United Artists me disse: "OK, pode fazer um filme sério se quiser." Fiz "Interiores" (1978).
Ser engraçado não é suficiente?
Menosprezamos o que temos de talento natural. Ser engraçado, para mim, não significa nada. Mas quando vejo alguém desenhando, acho maravilhoso. É assim que me sinto com a comédia, porque sempre achei fácil.
Quando eu ia ao cinema ver Bergman, me divertia muito mais do que com comédias. Para mim, comédias são sobremesas, e os filmes sérios são os pratos principais.
Você disse que é fácil fazer comédia, mas admitiu dificuldades para escrever sua série para a Amazon. E ela é uma comédia.
Sim, mas estou tendo dificuldades porque não estou acostumado a escrever em seis partes. Estou acostumado a fazer aquela coisinha boba que faço todos os anos, e sei onde estão início, meio e fim.
Mas escrever uma série é estranho, porque você produz por 15 minutos e precisa ter um gancho empolgante para o próximo episódio.
Há uma linha que podemos seguir nos temas dos seus filmes?
Há temas recorrentes, mas acidentais. É como psicanálise: você fala, e o médico não abre a boca. Depois de cinco anos, você nota que alguns assuntos aparecem frequentemente e possuem significado.
Ao longo dos anos, mesmo nos meus primeiros filmes, há um assunto presente: amor e morte. Não há nenhuma resposta, são apenas piadas.
O trabalho do artista é mostrar às pessoas que tudo que vocês estão fazendo é insignificante, e que tudo vai desaparecer um dia. Então, aproveitem a vida. Minha maior contribuição é tentar distrair as pessoas por duas horas, fazê-las esquecer como a vida pode ser terrível. Meus filmes são como um copo de água gelado em um dia quente de verão.
Mas você inspirou gerações de roteiristas e diretores.
Não sei. Meu sentimento, e não digo isso para ser modesto, é que não influenciei ninguém. Se você ler qualquer entrevista com jovens cineastas, sempre vão citar Scorsese ou "Star Wars", mas meu nome nunca aparece.
Não é ruim influenciar as pessoas, mas eu não o fiz e não me incomodo com isso.
Poderia dizer então que influenciou coleções de discos.
Bem, isso pode ter acontecido. A parte mais prazerosa de filmar é colocar a trilha. Quando você termina um longa, ele está frio e sem vida, então vou para a minha coleção e escolho uns discos. De repente, coloco Ramsey Lewis, e o filme ganha vida. Não tem nada a ver com ser inteligente, mas com erros e acertos.
Com as mulheres dos filmes são assim também?
Aí não tem como errar. Trabalhei com as mais amáveis mulheres do cinema. Janet Margolin era linda. Diane Keaton era linda quando jovem. Trabalhei com Scarlett Johansson e Charlize Theron. Até Mia Farrow, com quem briguei, era linda. Mas não consigo imaginar alguém tão bonita quanto Emma Stone.
Por que você é tão fascinado por atrizes bonitas?
Um dos grandes prazeres da vida é olhar para uma mulher bonita. Vou trabalhar e lá está Emma Stone ou Scarlett Johansson parecendo uma deusa. E isso dura meses (risos). Até os homens são charmosos.
É divertido trabalhar com sujeitos bonitões e carismáticos. Fiz filmes com Colin Firth, Michael Caine, John Cusack, Colin Farrell e... (pausa) Bem, não consigo me lembrar tão facilmente dos homens quanto das mulheres.
Nestes 80 anos, quais lições você aprendeu na vida?
Você acredita que se tornou mais tolerante com as pessoas, menos rabugento. Compreende que as pessoas têm os mesmos problemas e inseguranças que você. Você fica consciente do sofrimento alheio e tende a se importar mais com as pessoas. Mas não aprendemos muito.
O que aconteceu com os planos de filmar no Brasil?
Não sei muito sobre o Brasil além do que aprendemos na escola. Precisaria ir e aprender mais sobre o país, ver como a cidade funciona.
Mas não pensaria duas vezes, é um país que você cresce ouvindo de forma exótica e romântica. Só não faço ideia de como começar um filme em um lugar sem conhecê-lo. Se vou a Londres, sei onde estão os restaurantes, os parques, as ruas. Preciso ir ao Rio encontrar a sensibilidade da cidade.