Crítica Teatro/drama
'Otelo' tem atuações virtuosas de todo o elenco
Em peça com qualidade por todos os lados, exceção é a incógnita escolha da trilha, com velhos hits de Caetano Veloso, escolha
São dois dos maiores personagens de Shakespeare, e os atores Samuel de Assis e Rafael Maia, dirigidos por Debora Dubois, não desperdiçam essa chance.
Na peça "Otelo", o Iago de Maia conduz a apresentação com tiradas sarcásticas para a plateia –como Ricardo 3º na tragédia de mesmo nome. Mas é também cruel, sem trégua.
É comicamente monstruoso, tomado por uma constante volúpia de morte, de assassinato, buscando destruir o general negro, sua mulher imaculada, sua própria mulher, todos, enredando por fim a si mesmo.
Um detalhe, mas que vale anotar: Maia é expressivo até nos movimentos coreografados, de efeito visual, com uma faca com que mata uns e tenta matar outros.
O contraste com o personagem de Assis é marcado. É um Otelo que surge íntegro, nobre, até o veneno das palavras de Iago começar a corromper toda a sua retidão, de dentro para fora.
É tomado de amor romântico por Desdêmona, no princípio, mas é ainda mais arrebatado, celerado ao extremo de uma convulsão epiléptica, ao se perder em ciúme e por fim estrangulá-la.
A cena da morte na cama é especialmente bem conduzida, com o confronto entre força e fragilidade, violência e prostração.
Embora o cenário e os figurinos, principalmente aqueles de Otelo e Desdêmona, sejam bastante eficazes, o impacto de "Otelo" é garantido pela iluminação.
É o que torna vasto o pequeno palco da sala Paschoal Carlos Magno, do Sérgio Cardoso –cujo urdimento, registre-se, comprova avanços técnicos do teatro estadual (embora o ar-condicionado continue fracassando).
Desdêmona pode não estar entre os papéis femininos mais complexos de Shakespeare, mas Mel Lisboa consegue dar a ela, em diversas passagens, uma convincente e tocante inocência.
Paralelamente ao descontrole crescente de Otelo, é essa fragilidade ingênua que prepara o impacto físico do final –em um espetáculo que aparenta ter sido coreografado à exaustão.
Desempenhos virtuosos são alcançados também em personagens tragicômicos menores como Emilia e Rodrigo, envolvidos burlescamente pela trama de Iago, que depois os mata.
Numa peça com qualidades por todo lado, a começar da tradução acessível de Maria Silvia Betti, uma exceção fica por conta da trilha de velhos hits de Caetano Veloso, com letras cuja relação com a narrativa é uma incógnita, do início ao fim.
Esta não é uma encenação que imponha leituras ou procure tornar William Shakespeare, uma vez mais, "nosso contemporâneo".
O que parece querer é encontrar o que "Otelo" tem de tão precioso, aquilo que faz da tragédia a mais popular do autor inglês no país desde João Caetano e Machado de Assis no século 19.
Não se poderia esperar um começo melhor para o que promete ser uma extensa temporada shakespeariana, com todo tipo de encenação, comemorando os 400 anos da morte do dramaturgo.
OTELO
QUANDO ter. e qua., às 20h
ONDE Teatro Sérgio Cardoso - r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. (11) 3288-0136
QUANTO R$ 40
AVALIAÇÃO muito bom