Crítica Documentário
Com modéstia virtuosa, longa dá voz e imagem a diretor chinês
É possível, para simplificar, dividir "Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang" em três partes: o homem e a cidade; o artista e o mundo; a China.
A cidade é Fenyang, norte do país, para onde Zhang-ke, um dos principais cineastas da atualidade, volta para o documentário dirigido por Walter Salles. Ali, onde nasceu em 1970, reencontra amigos e conhecidos. Pessoas que cresceram com ele e os mais velhos.
É o momento de constatar o que permanece e o que mudou em sua cidade. Sobretudo, é o momento de despertar para o mundo ainda sob o impacto da Revolução Cultural.
É também o momento em que evoca seu projeto de cinema: retratar as pessoas "sem poder", homens comuns que sofrem com as ações dos poderosos. É em Fenyang que Jia fará seus primeiros filmes, "Xiao Wu, o Batedor de Carteiras" (1997) e "Plataforma" (2000), este último sobre jovens que vivem a adolescência fora das normas estritas da cultura chinesa comunista.
A segunda divisão diz respeito ao sentimento das diferenças e proximidades entre sua experiência chinesa e o mundo, expressa em boa medida em "O Mundo" (2004), que se desenvolve num parque em que é possível transitar entre as grandes cidades do mundo (com shows temáticos referentes a cada país).
Esse é o mundo que o chinês pode conhecer livremente, mas sua experiência não é a de estar no resto do mundo, de partilhar experiências: tudo ali está sob controle. Esse é o paradoxo da filmografia de Zhang-ke (e de outros cineastas da sua geração), que começa já a alcançar repercussão mundial, mas sofre sérias restrições em território chinês (as fitas pirateadas são o grande veículo de divulgação de "Plataforma", por exemplo).
A terceira parte nos remete à China mais recente, aos ganhos e perdas de seu assombroso desenvolvimento, à maneira capitalista que legitima o despotismo e a violência do Partido Comunista.
Esse é o ponto central de seu mais célebre filme, "Em Busca da Vida" (2006), em que narra os efeitos da construção da grande barragem das Três Gargantas.
Essa mera divisão evidencia a virtude capital deste documentário: dar voz (e imagem) ao artista; permitir que ele mostre a si mesmo, suas experiências, seu país e sua obra. Permitir ao espectador que conheça o artista a partir da China e a China a partir do artista. Nunca colocar o filme acima de seu objeto: um exercício de modéstia que pode parecer óbvio, mas está longe de ser.
JIA ZHANG-KE, UM HOMEM DE FENYANG
DIREÇÃO Walter Salles
PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (3)
AVALIAÇÃO muito bom