Festival de Veneza
'Mate-me Por Favor' explora mortes com tom sarcástico
Longa brasileiro inspirado em 'Twin Peaks' concorre em mostra paralela
Atração adolescente por crimes move filme de Anita Rocha da Silveira, elogiado como 'nova face do cinema latino'
Um punhado de assassinatos escabrosos, uma pastora evangélica histérica e uma geração de adolescentes de shopping center dão o tom de "Mate-me Por Favor", terror de levada sarcástica da carioca Anita Rocha da Silveira e o segundo dos dois longas brasileiros na programação do Festival de Veneza.
O filme não disputa o Leão de Ouro, o prêmio da competição principal do evento italiano, mas concorre na mostra Horizontes, sessão paralela dedicada a novas linguagens, que também traz o outro longa nacional da programação, "Boi Neon", de Gabriel Mascaro.
Na trama de "Mate-me", quatro meninas adolescentes da Barra da Tijuca têm de lidar com uma série de mortes misteriosas ocorridas em terrenos baldios da zona oeste do Rio, enquanto exploram aspectos da idade, como a descoberta da sexualidade.
"Mate-me" não é um terror tradicional, de sustos e perseguições, nem um suspense de clima misterioso. A chave é mais irônica: o tom está mais para a obra de David Lynch, diz a diretora à Folha.
"É um diretor que trabalha bem com esse universo. Ele traz o drama, mas com ironia, até para que não fique muito pesado", diz a carioca, citando como referência o episódio piloto da série "Twin Peaks" –aquele em que o corpo de uma colegial è encontrado enrolado em plástico.
A protagonista (a estreante Valentina Herszage) sente uma atração mórbida pelos assassinatos, o que a diretora descreve como a "pulsão de morte do adolescente".
Anita, 30, cita a morte de Daniela Perez, ocorrida em 1992 na Barra da Tijuca, como inspiração. "Uma imagem que ficou na minha cabeça quando criança." O caso é mencionado no filme.
Os terrenos vazios onde vagam os jovens são bastante explorados no longa, que dá as costas ao Rio cinematográfico da zona sul. "Sempre quis rodar o filme na Barra: sou fascinada pela paisagem de condomínios gradeados, a ideia falsa de segurança."
Até por isso, nenhum adulto aparece, são só mencionados: "Mudam-se para lá achando que é OK deixar os filhos sozinhos por ali", diz Anita, deixando clara a crítica social à ocupação da cidade embutida no filme.
Na primeira sessão do filme, razoavelmente ocupada, a plateia aplaudiu e riu de piadas com sabor nacional, como a figura da pastora adolescente que entoa louvores em ritmo de funk.
A revista especializada "Variety" saudou o filme como "uma nova face do cinema latino-americano".
"Há um déficit no Brasil de filmes para adolescentes. Anita fala muito bem com essa faixa. Quero que esse filme provoque outros do gênero", diz a produtora do longa, Vania Catani.
Na mesma mostra Horizontes também disputa o terceiro e último título nacional em Veneza, o curta-metragem de suspense "Tarântula", de Aly Muritiba e Marja Calafanje, rodado num casarão do interior do Paraná.