Crítica cinema/documentário
Em belo filme incomum, Carlos Nader volta a desafiar rótulos
Carlos Nader é um dos poucos diretores que promovem uma saudável renovação no documentário brasileiro. Essa renovação, diga-se, passa pela apreensão artística, quando não pela cinefilia.
Seu primeiro longa, "Pan-Cinema Permanente", procura investigar os caminhos tortuosos e talentosos de Wally Salomão. O último, "A Paixão de JL.", sugere, em sua estrutura, uma forte ligação com o cinema de Godard, particularmente em "JLG por JLG".
Antes, Nader realizou "Eduardo Coutinho, 7 de Outubro", documentário sobre o cineasta morto em 2014.
Em "Homem Comum", a principal referência é "A Palavra" (1955), de Carl Theodor Dreyer. No clássico dinamarquês, o personagem principal é o tio Johannes, homem comum que pensa ser Jesus Cristo. É desacreditado por todos, até que provoca o milagre da ressurreição.
Carlos Nader, por meio da montagem, compara Nilson, personagem principal de seu filme, ao tio Johannes. Por quê? Será que há alguma sugestão de que o homem comum de Nader pode ressuscitar alguém, como o homem comum de Dreyer? Ou é apenas o desejo pela espiritualidade que impulsiona Nader, como impulsionava Dreyer?
VELÓRIO
Nunca fica claro, e não importa. O mais interessante é acompanhar a vida de Nilson por quase vinte anos, desde que era caminhoneiro, em 1995, quando vivia muito tempo longe de sua mulher, Jane, e de sua filha pequena. Essa filha, depois de crescida, vai desenvolver com ele uma relação cheia de atritos.
Anos depois, Jane morre de um mal congênito e Nilson convida Carlos Nader para filmar o velório. Dessa maneira diretor e personagem retomam contato.
Depois, Nilson se casa novamente, com uma mulher compreensiva, que o ajuda a cuidar da saúde.
Uma das missões do filme é promover o reencontro de Nilson com a filha. Há intervenção, portanto, como nos filmes de Jean Rouch, e a vida parece se completar no cinema e por causa do cinema.
Outras informações surgem para enriquecer o relato, e aos poucos percebemos estar diante de mais um longa de Nader que desafia classificações.
Seu caráter investigativo (de uma família, do luto, do sentido da vida e da própria vocação do cinema) o coloca em outra esfera de percepção, com a qual não estamos acostumados a lidar.
O trocadilho é canhestro, mas inevitável: estamos diante de um belo filme incomum.
HOMEM COMUM
DIREÇÃO Carlos Nader
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (10)
AVALIAÇÃO muito bom