Análise
Escritora cria vínculo com leitor ao humanizar tragédia
A obra principal de Svetlana Alexievich, com a qual terá seu nome permanente na história da literatura universal, é o impressionante relato sobre as consequências do acidente nuclear de Chernobil, publicada em Moscou em 1997. Pouco tempo depois, já estava traduzido para dezenas de idiomas.
A tradução para o francês, de autoria de Gala Ackerman e Pierre Lorrain, alcançou enorme repercussão e despertou o interesse para as demais traduções. A versão inglesa, de Keith Gessen, foi publicada simultaneamente nos Estados Unidos e no Reino Unido, e serviu de mediadora para a versão em outros idiomas.
Em espanhol, foi traduzida por Ricardo San Vicente, lançada no início de 2015.
A explosão nuclear ocorrida numa fábrica de Chernobil em 26 de abril de 1986, precisamente à 1h23, sobretudo suas terríveis consequências para milhões de pessoas, é o assunto central da narrativa. Svetlana entrevistou centenas de pessoas durante anos para compor um pungente documento humano em que usa a primeira pessoa. Ela dá voz ao entrevistado, o que estabelece um vínculo profundo com o leitor, que fica preso ao livro até a última página.
A primeira entrevista é com uma mulher, que havia perdido o bebê e o marido, bombeiro que primeiro tentou salvar as vítimas. Ela estava grávida quando ouviu a notícia. Seu relato em tom emocional cativa o leitor desde o início: "Não sei sobre o que deveria falar... sobre morte ou do amor? Tanto faz... Sobre o que devo falar? Éramos jovens recém-casados. Na rua, dávamos as mãos, mesmo se fôssemos ao mercado... Eu dizia: 'Eu te amo'".
O prólogo, significativamente intitulado "Uma voz Solitária", traz a epígrafe: "Somos ar, não terra", do escritor e filósofo georgiano Merab Mamardashvili (1930-1990), que contrasta a fragilidade da condição humana e a indiferença e insensibilidade das autoridades da então União Soviética.
Até hoje os efeitos da catástrofe são sentidos pela população abandonada.
Nas inúmeras entrevistas que concedeu, Alexievich enfatiza, talvez com algum exagero, que o que aconteceu em Chernobil é muito pior do que os gulags (campos de trabalho forçado soviéticos) e o Holocausto. Para ela, a história do maior acidente nuclear da história ainda está sendo escrita. "Este é um enigma para o século 21", conclui.