Crítica cinema/religioso
Jovial, 'Terra de Maria' prega para convertidos
Com poucas sessões e muitas filas, filme católico tem um 'James Bond que bebe suco' para investigar doutrina cristã
LUPACatanum nosterest factabu nihilic eropublicae quid inatum atisquam. Imuro iur, nem
Há 52 anos, a Igreja Católica aprovou o decreto "Inter Mirifica" (entre as maravilhas), no Concílio Vaticano 2º. A Igreja, que à época ainda discutia se as missas deveriam ser rezadas apenas em latim, concluiu que negar a modernização da linguagem era inútil.
A duras penas, é verdade, pois nem todos na instituição se maravilharam com aquele texto pró-meios de comunicação. Mas imperou a máxima: "Se você não pode vencer seu inimigo, una-se a ele".
Para estar "entre as maravilhas" da linguagem de 2015, a equipe de "Terra de Maria" divulgou no Facebook uma selfie de elevador que incluía padres e freiras sorridentes.
O filme da produtora espanhola Infinito Más Uno fez o dever de casa. Vale-se de tiradas engraçadinhas e embalagem jovial para corroborar dogmas de uma instituição de mais de dois milênios.
Diretor e protagonista da obra, Juan Manuel Cotelo vive uma espécie de James Bond que bebe suco de laranja (batido, não mexido). Ele investiga a fé cristã, um movimento que seria de "pessoas insignificantes", mas mais poderoso do que "Napoleão, comunismo, capitalismo e até futebol".
Para a missão, o agente adota uma persona: diz ser o advogado do diabo. Seus entrevistados são pessoas reais que se converteram, como a colombiana que foi de "top sensual a top espiritual" após se arrepender de um aborto. Hoje, a modelo associa a prática a males como bulimia e depressão.
É nessa mescla de documentário, drama e comédia que "Terra de Maria" peregrina. E a sinopse já diz a que veio esse filme: "Era uma vez Deus. Este é o fim da história". Prega para convertidos: difícil imaginar um cético que saia da sessão convencido.
Cotelo, com trejeitos de repórter do "CQC" e Steve Carell (o chefe de "The Office"), tem "timing" cômico. Arrancou gargalhadas da plateia lotada no cinema do shopping Santa Cruz, em SP, no feriado de Nossa Senhora Aparecida (dezenas ficaram sem ingresso).
O agente indaga se não era mais acurado dizer que Jesus está vivo na memória coletiva, "como o Michael Jackson".
MEA CULPA
Em várias cenas, o filme questiona se há uma lavagem cerebral mundial. Até menciona "padres pedófilos, corruptos e mulherengos".
A mea culpa, contudo, soa como gambiarra intelectual, como se fosse uma inflexão do rocambolesco discurso de "dobrar a meta" da presidente Dilma: "Vamos deixar a culpa aberta, mas quando atingirmos a mea culpa, vamos dobrar a culpa...".
Afinal, ainda que cite escândalos na Igreja, "Terra de Maria" relativiza: "Desde quando dependemos da mídia pra saber a verdade?".
Há momentos inesperados, como o do missionário com camisa na qual o nome de Jesus imita o logo da Harley-Davidson. Entre as prostitutas que evangeliza está uma travesti devota da "Virgenzinha" –que, ao menos na cópia dublada, refere-se a si mesma no masculino ("fui mesquinho"). Já ele a chama de "irmãzinha".
Em geral, a obra não dá muita margem para debater dogmas eclesiásticos –como o próprio papa Francisco vem fazendo em temas como LGBT e divórcio. Para a maior instituição religiosa do planeta, mudar a forma de entregar a mensagem é um começo. Mudar o conteúdo pode vir em "slow-motion". Quem ficar por último é mulher do padre.
TERRA DE MARIA
DIREÇÃO Juan Manuel Cotelo
PRODUÇÃO Espanha, 2013, 12 anos
QUANDO sessões especiais
AVALIAÇÃO regular