Ponto crítico
EXPOSIÇÃO | "NELSON FÉLIX: OOCO"
Contra o senso comum
Na mostra retrospectiva "Nelson Félix: Ooco", na Estação Pinacoteca até 19/7, há poucos trabalhos sobre papel. O curador Rodrigo Naves foi preciso e escolheu desenhos centrais na trajetória do artista: como a série "Vazio Sexo" (2004), um conjunto feito com espinhos e lacre sobre papel e um dos "Desenhos Horizontais" da década de 1980. Um trabalho grande feito com manchas pesadas.
A importância do desenho, contudo, não se restringe à produção bidimensional do artista. Nelson Félix pensa desenhando. Segundo seus relatos, o desenho ajuda a explicar como ele formula seus projetos e incorpora diversos significados a eles. No vídeo exibido na retrospectiva sobre os grupos de trabalhos "Vão", "Vazio Sexo", "Vazio Cérebro" e "Vazio Coração", ele reafirma a importância da técnica. O desenho é usado para definir as formas dos objetos, estabelecer a relação entre um elemento e outro e, mais do que tudo, escolher os intervalos entre eles. Esses intervalos nos ajudam a entender a relação que Nelson sugere existir entre as peças. Talvez por isso a exposição mencione o oco, o intervalo entre um sólido e outro.
Faz todo o sentido. A maior parte dos trabalhos expostos em "Ooco" são tridimensionais. Mas não são volumes íntegros que partem de um bloco só. Em todas as esculturas da exposição Nelson Félix se vale de mais de um elemento. O artista coloca lado a lado, de maneira mais ou menos amistosa, materiais, objetos, naturezas, lugares e momentos diferentes. Associa em seus trabalhos lugares distantes no tempo e no espaço, a sugerir que algo acontece entre eles, para além do que percebemos.
As obras aproximam discos grossos feitos com materiais diversos. Cravos de ouro são alocados em cubos vazados de mármore; uma superfície ondulada de madeira é acompanhada de um vaso de bronze com azeite; um gradeado de mármore é suspenso por vigas de ferro, sugerindo que sua posição não é mais dada pela gravidade, mas pela orientação do planeta Terra com o Sol.
Na série "Cruz na América" (1985-2004) ele faz trabalhos que aproximam a Floresta Amazônica, o deserto do Atacama, os pampas gaúchos e o litoral. Supõe-se que a ação do artista fez algo acontecer em todos esses lugares. De maneira fictícia, tais acontecimentos podem ser aproximados.
O significado de cada elemento se modifica. O artista parece fazer com que o trabalho nunca acabe. Muitas vezes, são obras que sugerem acontecimentos naturais que dispersam completamente as formas utilizadas no trabalho artístico.
Uma das primeiras intervenções do artista, neste sentido, foi agrupada sob o nome de "Série Gênesis". Na Estação Pinacoteca, é exibida sua documentação em vídeo. Ela se iniciou em 1985 e terminou faz pouco tempo, em 2014. É feita a partir de gestos discretos, pequenos. Todos implicam a assimilação de um corpo por outro.
Nelson Félix começa por inserir uma pequena escultura de Buda na pata de um cachorro. Mais ou menos na mesma época, perfurou o caule de uma árvore e depositou um bibelô de cristal em forma de pênis e colocou um diamante em uma ostra. Mais tarde, cravou um osso no tronco da mesma árvore que enterrará em uma cova. Um corpo fagocitava o outro até se tornarem indistintos. O Buda e o cão, o pênis de cristal e a árvore, a madeira morta e o osso na terra.
O trabalho de Nelson lida com escalas muito peculiares. São ações que, por maior que sejam, revelam-se sempre miúdas diante do significado que sugerem ou mesmo do espaço em que estão.
Em "Mesa", uma tábua plana, disposta em uma paisagem plana, como os pampas gaúchos, se tornará mesa quando as árvores crescerem e a incorporarem. A inclinação do gradeado de "Malha" é apenas uma indicação do arbítrio das nossas formas de orientação e uma lembrança da nossa miudeza diante de um universo infinitamente grande.
É como se essas estruturas delicadas se relacionassem com um espaço mais amplo do que o lugar onde os trabalhos são expostos. Provavelmente nenhum trabalho de arte conseguiria promover vínculos ultramarinos e nem sugerir uma outra relação com o Sol. Se esses devaneios não parecem mais objetivos do que o senso comum, as certezas repetidas por aí, eles são o seu melhor contraponto.