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MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
Carmen por acidente... ou destino
Londres, 2007
Todos me perguntam sobre a ópera "Carmen", de Bizet. Quase em todas as entrevistas. Claro que me sinto lisonjeada pela maneira como tantas pessoas comentaram essa minha performance em particular. Mas o engraçado é que isso tudo começou por acaso. Ou graças ao destino, como gosto de acreditar.
Eu cantei minha primeira Carmen aos 38 anos, na produção de Jonas Kaufmann na Royal Opera House, em Londres, em 2007. Mas eu não estava no elenco desde o início, e sim fui chamada para substituir outra cantora antes da estreia.
Fiquei pensando na primeira ópera a que assisti na vida –sim, foi "Carmen", e eu tinha apenas 11 anos e me apaixonei pela personagem instantaneamente, sobretudo por seu espírito independente. Desde o começo da minha carreira eu quis interpretá-la, mas levou 15 anos para que finalmente acontecesse.
Eu não podia imaginar o impacto duradouro que aquilo teria em minha carreira. As temporadas foram muito bem sucedidas, o DVD da ópera ainda vende muito, e eu recebi uma chuva de elogios de críticos, colegas e do público.
Até hoje, tenho muito orgulho do que nossa equipe fez nos palcos naquela época. É como uma insígnia que eu carrego comigo e sou feliz por isso.
Não que eu menospreze meus outros projetos, não é nada disso. Eu teria algumas histórias interessantes para contar de cada um deles, como "Norma", "As Troianas", "A Danação de Fausto", "A Morte de Cleópatra", "Medeia", "Maria Stuart", "Don Giovanni", "Madame Butterfly", "O Barbeiro de Sevilha" e "La Traviata", entre outros. Acontece que esse em especial juntou tudo de um jeito único, pessoal e profissionalmente. Como um plano do destino, como eu disse antes.
Eu normalmente não canto árias de óperas em meus recitais. Mas mesmo nesse tipo de performance "Carmen" tem um lugar especial.
Eu encerro minhas duas récitas no Brasil, na segunda (3) e na quarta (5), com a ária "Chanson Bohème", uma canção muito bonita que começa quase que em "slow motion" e que, gradualmente, sobe a uma espécie de frenesi e exaltação erótica. Será apenas eu cantando e Maciej Pikulski no piano, e eu acredito que ainda assim o público brasileiro sentirá o entusiasmo da personagem-título. Eles sentirão Carmen e entenderão porque ela fascinou gerações. Estou contente de ser parte de seu legado. E ela é parte de mim.