Réplica
Ideal liberal reduz poder de negociar do Brasil
Política externa brasileira ampliou e diversificou parceiros comerciais sem abrir mão dos parceiros tradicionais
No calor do processo eleitoral, tem havido uma onda de críticas à política comercial brasileira, com ataques a posições que tenho externado, como em minha entrevista à Folha em 27 de setembro, criticada pelo empresário e presidente do Iedi, Pedro Passos, em artigo no dia 10.
Uso a oportunidade para explicitar os principais desafios da política comercial para o Brasil, buscando sanar interpretações distorcidas de minha visão, entorpecidas pelo momento eleitoral.
Considero falsa a ideia de que o Brasil é protecionista. Essa crítica carece de base factual e se constitui muito mais em uma retórica do bordão liberal. O nível de tarifa aplicada média do Brasil é de 13,5%, próximo ao de China (9,6%) e Índia (13,7%).
Esses níveis estão muito abaixo da tarifa consolidada média da Organização Mundial do Comércio, de 35%.
Essa tarifa média está acima do nível dos países desenvolvidos (EUA 3,4% e União Europeia 5,5%), que privilegiam os mecanismos condenados de cotas e subsídios.
Na verdade, esses países operam com instrumentos muito mais sofisticados e eficazes de proteção comercial, as barreiras não tarifárias --especialmente normas técnicas e ambientais. Possuem controles rígidos em relação a investimentos estrangeiros, como ocorre de forma generalizada no Japão e de forma seletiva nos EUA, em setores estratégicos, como a Defesa.
Já o Brasil é um dos países mais abertos ao capital estrangeiro, com restrições relativamente pequenas, sem qualquer limitação à remessa de rendas de capital.
A crítica de que o país se fechou para o mundo nos anos 2000 é igualmente falaciosa. A política externa brasileira aproveitou o boom de comércio no período, ampliando e diversificando nossos parceiros comerciais para a Ásia, África e Oriente Médio, sem abrir mão dos parceiros tradicionais, EUA e UE.
Enquanto, nos últimos dez anos, a corrente de comércio mundial aumentou três vezes (de US$ 6,2 trilhões em 2002 para US$ 18,3 trilhões em 2013), a do Brasil cresceu quase cinco vezes, de US$ 108 bilhões para US$ 481 bilhões.
O chamado grau de abertura (relação entre corrente de comércio e PIB) do Brasil, de 21,2 %, é próximo ao dos EUA, de 22,9%. Comparações com países de menor porte ou com a China (sempre fora da curva) minimizam o desafio de ampliação da abertura.
Por exemplo, é altamente positiva a meta de dobrar a corrente de comércio com o mundo em dez anos, para US$ 1 trilhão, buscando atingir 25% de grau de abertura.
Para isso, o Brasil tem sido protagonista no destravamento de Doha via facilitação de comércio. Também tem buscado fazer avançar acordos regionais, num contexto de protecionismo, em que muito se fala e pouco se faz.
Ainda assim, os acordos regionais evoluíram e devemos acelerá-los. Além da consolidação do Mercosul (que aumentou seu comércio intrabloco no período também em cinco vezes), estamos próximos de criar em 2019 uma área de livre comércio com os principais vizinhos regionais, especialmente com os países do Bloco do Pacífico, Chile, Colômbia e Peru. A proposta brasileira é antecipar a desgravação zero para 2016.
A proposta de acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia também está pronta. Falta o lado europeu fazer sua proposta.
As críticas de morosidade são válidas. Porém, a experiência mostra que processos de negociação tomam tempo. Os propalados acordos Transpacífico e Transatlântico não saem do lugar, após várias rodadas de negociação.
O discurso liberal conservador deveria explicitar que o que se objetiva é fazer mais abertura comercial unilateral sem negociar nada em troca, abrindo mão de uma política industrial ativa. Isso significaria, na prática, entregar nosso mercado doméstico e regional, o que vai apequenar a capacidade de negociação do Brasil no mundo.