Vinicius Torres Freire
A seca na comida
Apesar da irritação crescente com a falta d'água, impacto no preço da comida ainda é pequeno
A SECA ainda não apareceu nos preços dos alimentos, pelo menos na média deles, nem mesmo nos preços do sertão de São Paulo, onde mais e mais pessoas dão notícia de falta d'água nas torneiras, como mostram pesquisas do Datafolha.
Apesar de as gentes que lidam com economia tratarem muito de Bolsas, dólares e abstrações macroeconômicas, o preço da comida é que é um dos indicadores mais sensíveis e visíveis.
Quando sobe muito mais do que a média da inflação, o preço médio dos alimentos costuma abalar os índices de confiança do consumidor na economia, quando não no governo mesmo.
A conjunção de uma eventual alta extra do preço da comida com a irritação crescente com a falta d'água pode se tornar um problema político ou, no mínimo, de imagem para os governantes.
Por ora, não há sinal de alarme. Não se trata de dizer que a seca não tenha abalado a cotação de alguns produtos, de acordo com produtores e atacadistas, e como pode ser notado em alguns índices de preços setoriais. Até agosto, no Ceagesp -- o grande mercado atacadista de São Paulo--, os preços no ano, em média, estavam em queda até.
Mas, em setembro, a inflação média de frutas, legumes, verduras, pescados e alguns diversos passou a subir em 2014.
"Aspectos sazonais, estiagem e, principalmente, problemas no abastecimento de água no Estado de São Paulo e parte da região Sudeste dificultam a irrigação e prejudicam o desenvolvimento e a produção de algumas culturas como citros e legumes", diz o relatório do Ceagesp publicado no início deste mês de outubro.
A inflação da comida, medida pelo índice "oficial" de inflação, o IPCA, ainda supera a inflação média, com tem ocorrido desde 2010, 8,2% nos últimos 12 meses, ante 6,7% do IPCA geral.
Cereais, grãos, legumes, farinhas, hortaliças e verduras estão em baixa; carnes, frutas, pão, industrializados, peixe e bebidas, em alta.
O preço de comer fora de casa continua a subir a 10% ao ano, mas o problema aqui parecem ser custos outros que não o da matéria-prima (salários, infra).
A baixa ou desaceleração mundial de produtos como a soja ajudam a conter a alta da comida. Um ciclo de baixa na produção de carne no Brasil ajuda a elevar os preços.
Quanto aos produtos "mais domésticos", as análises de economistas do setor não indicam alta expressiva de preços até o fim do ano (quer dizer, altas ainda maiores do que as corrente).
No entanto, sabe-se ainda muito pouco o que será do verão no Sudeste e em parte do Centro-Oeste.
Ouve-se muito pequeno produtor reclamar da falta d'água, de dificuldade de irrigação, mas não há notícia de crise espraiada.
Caso não chova, haverá água para a agricultura?
O que vai ser dos preços da energia elétrica? No caso da eletricidade para consumo residencial, os preços subiram em média 14,7% nos últimos 12 meses.
Qual vai ser o custo do transtorno em caso de um racionamento abrupto de água? Isto é, qual vai ser o impacto de pagar mais por água escassa, de ineficiências e de especulações?