Brasil. 15 Jim O'Neill
Governo brasileiro se tornou chinês demais
Economista britânico afirma que o Brasil sofre com excesso de intervencionismo e que errou em previsões
Conhecido --e muitas vezes criticado-- por suas previsões consideradas excessivamente positivas, o economista britânico Jim O'Neill, criador do acrônimo Bric, parece ter perdido seu entusiasmo com pelo menos um país: o Brasil.
Em 2012, quando as incertezas sobre a recuperação da economia global eram ainda maiores que as de hoje, o então economista-chefe do banco americano Goldman Sachs escreveu que se mantinha "extremamente otimista em relação ao Brasil" e que o país representava uma "grande esperança".
Dois anos e meio depois, O'Neill afirma que muita coisa deu errado desde então. E que um dos principais responsáveis pelo baixo crescimento registrado no país é o que define como política intervencionista do governo da presidente Dilma Rousseff.
"O governo brasileiro se tornou chinês demais", afirmou, em entrevista à Folha em Londres, onde vive. O papel desempenhado pelo BNDES na concessão de empréstimo ao setor privado nos últimos anos, a juros subsidiados, e a atuação do Banco Central, que, segundo ele, precisa ser mais independente, são exemplos dessa política.
O'Neill, 57, porém, faz seu mea-culpa. Ele diz que errou ao acreditar que a redução da inflação na década passada iria inaugurar uma "nova era" para o país, em que não somente o consumo aumentaria mas também os investimentos e a tomada de riscos por parte dos empresários. "Isso não aconteceu."
Apesar disso, o economista britânico continua confiante no resto de suas previsões.
-
Folha - Há uma grande discussão sobre o futuro dos mercados emergentes diante da menor expansão global e do fim da política estímulos do Fed (banco central americano), que trouxe muita liquidez aos mercados nos últimos anos. Qual a visão do sr. sobre isso?
Jim O'Neill - A natureza dessa questão presume uma estrutura antiga do mundo.
Há duas décadas, se a economia mundial estivesse desacelerando e o Fed estivesse apertando sua política monetária, seria uma péssima notícia para os países emergentes. Mas hoje a segunda maior economia do mundo é emergente, a China.
A China crescendo a 7,5%, o que se considera "mais devagar", equivale em dólares aos EUA crescendo a 4%. A China é maior que Alemanha, França e Itália juntas; cria um Reino Unido a cada três anos e uma Índia a cada dois. Por isso, se o mundo vai diminuir seu crescimento de forma persistente, depende, em grande parte, do que a China vai fazer. Deveríamos estar nos preocupando com o que vai acontecer se o banco central chinês apertar a política monetária, e não o Fed.
Qual sua perspectiva para o futuro da economia global?
Acho que a economia americana mostra sinais contínuos, embora erráticos, de aceleração. No momento, acredito que isso deva levar o Fed a aumentar as taxas de juros em 2015, provavelmente no meio do ano.
Há uma incerteza genuína particularmente em relação à volta dos investimentos. O gasto com investimento tem sido muito fraco no mundo. Isso inclui, para os padrões chineses, a China, mas também Alemanha e EUA. Isso sugere que os negócios ainda não querem tomar muito risco no longo prazo e isso é um pouco preocupante. Achei que neste ano isso começaria a mudar. Mas, até agora, não.
Em 2012, o sr. escreveu que estava extremamente otimista com o Brasil e que o país tinha um futuro promissor. Dois anos depois, o país deve crescer menos de 1% neste ano, a inflação voltou, os juros subiram. O que aconteceu?
Há uma pequena possibilidade de que nada tenha dado errado e o Brasil ainda viva uma grande volatilidade.
Se você olhar para o período entre 2001 e 2003, o país tinha um crescimento tão fraco quanto o que está tendo nesta década. As pessoas se esquecem disso. Entre 2005 e 2009, o país teve um forte crescimento, porque sua economia foi seriamente afetada pelo alto preço das commodities.
Então, se o preço das commodities começar a subir muito nos próximos anos, não seria tão surpreendente se o Brasil crescesse muito sem que nada mudasse.
Porém, eu acho, sim, que as coisas deram errado. E eu estive errado. Acho que errei porque imaginava que a inflação baixa iria desencadear uma nova era para as classes de renda baixa e média no Brasil, não apenas de maior consumo mas também de mais investimentos, mais riscos, mais criatividade. E isso não aconteceu. O consumo foi criado por meio de empréstimos, e não apoiado por um crescimento sustentável da renda. Não foram feitos investimentos suficientes.
Por que isso ocorreu?
Um problema real é que o governo brasileiro se tornou muito chinês, ao tentar direcionar demais a economia. O famoso efeito "crowding-out" [queda do investimento privado diante de uma política fiscal expansionista do Estado] ocorre no Brasil.
Uma consequência disso se vê na situação fiscal do país. Se o governo continuar tentando controlar tudo, gastar mais e mais, e não usar o dinheiro de forma eficiente, o deficit nas contas será o novo normal para o Brasil.
O intervencionismo é o principal problema?
Acho que Dilma não vem tendo sucesso na economia. Ela pode ter sido muito azarada com o "timing" na economia mundial. Mas o intervencionismo é uma questão principal. O papel do BNDES na concessão de empréstimos é algo muito chinês e é também um grande problema. Junte-se a isso o fato de que ela não fez nada para tornar o Brasil mais competitivo globalmente, fora do negócio de commodities. O que o Brasil tem para oferecer ao mundo, além de matérias-primas?
Não há apoio a um ambiente de tomada de risco, à inovação de alto impacto. Só commodities não é suficiente.
Que reformas estruturais são mais urgentes?
Um ponto crucial é que vocês têm quase 200 milhões de pessoas. Então, se o país fomentar reformas, permitindo mais dinamismo ao setor privado, apoiando uma maior tomada de risco e estimulando novos negócios, o Brasil ainda pode ser um lugar fantástico. Mas não vejo muitas evidências de que isso vá realmente acontecer.
E na política macroeconômica, que tipos de ajuste são necessários?
Acho que a presidente precisa tornar o Banco Central mais independente. A alta dos juros que ocorreu dias após a eleição foi um desdobramento muito interessante nesse sentido. Pode demonstrar que Dilma será mais sensível às demandas do mercado, mas ainda é cedo para dizer.
A China passa por desaceleração e enfrenta um grande desafio demográfico. Continua otimista em relação ao país?
Sim. Qualquer um que estudou China nos últimos 20 anos sabe que desafios demográficos começariam a surgir no começo desde década. Não há surpresa. Além disso, o governo chinês está tentando enfrentar a questão, livrando-se da política de filho único, por exemplo.
Sobre a desaceleração da economia, eu presumi muitos anos atrás que a China iria desacelerar nesta década. Até agora, a desaceleração foi menor [sua previsão é de expansão média de 7,5% entre 2010 e 2020].
Você criou recentemente um novo acrônimo para um grupo de países, os Mint (México, Indonésia, Nigéria e Turquia). Que características os une e o que os diferencia dos Brics?
A população. E, em contraste com China e Rússia, os quatro países do Mint têm população jovem, não há um fardo demográfico. A população economicamente ativa nesses países vai crescer muito nos próximos 20 anos, o que é uma diferença importante em relação aos Brics. Além disso, têm relações comerciais muito diversas. Já a Nigéria é uma exceção, com população muito grande, mas também desafios de corrupção e quanto à democracia.