Kátia Abreu
Quanto pode o Estado?
Atrás de cada gasto público alinham-se interesses diretos e indiretos, que vão reagir; impossível agradar a todos
Qualquer pessoa que se disponha a examinar o panorama das democracias contemporâneas vai perceber duas coisas: o crescimento ininterrupto das demandas que as populações colocam para o Estado e a evidente e cada vez maior incapacidade do Estado de satisfazer essas demandas. Do encontro dessas duas realidades antagônicas, nasce um visível e perigoso mal-estar com a democracia e as instituições.
Ao empurrar os Estados desenvolvidos para o limite extremo de sua capacidade de gastar e de intervir, a crise financeira de 2008 expôs a fragilidade a que chegaram os regimes de bem-estar social. Agora, aos poucos vai se formando um consenso de que, para preservar a democracia e a harmonia social, será preciso reinventar o Estado e os governos, bem como renegociar o contrato social que está implícito no funcionamento das democracias de massa contemporâneas.
Em nenhum Estado moderno há ainda espaço político para aumento expressivo de impostos e elevação do endividamento. Além de insustentável em termos financeiros, isso pode significar um verdadeiro assalto às gerações futuras, que serão chamadas a pagar mais impostos contando com menos serviços, para pagar as dívidas que lhes deixaram seus pais.
A pergunta que se apresenta é: os sistemas políticos democráticos serão capazes de, na ausência de algum choque desestabilizador, realizar uma tarefa dessa dimensão? A maioria das pessoas sensatas é pessimista quanto a isso.
A relação entre governo e sociedade nas democracias neste início de século está se tornando complexa e turbulenta. A grande promessa da democracia a partir do fim da Segunda Guerra Mundial era que o Estado propiciaria uma melhoria constante no padrão de vida de todos e que o crescimento econômico seria o modo padrão de funcionamento das economias. Isso foi verdade durante quase 50 anos.
Mas os fatores que produziram o alto crescimento das últimas décadas esgotaram-se e é muito possível que estejamos ingressando numa fase de crescimento estruturalmente mais baixo.
Se é assim, temos de nos preparar para mudanças em vários campos da vida, inclusive no papel e no modo de atuação do Estado.
O Brasil, querendo ou não, participa da mesma sorte do mundo. Por isso, temos de ser honestos conosco e com os cidadãos e reconhecer que os recursos do Estado brasileiro estão muito próximos de seu limite. Eles não são suficientes para atender a todas as demandas que surgem na sociedade e são processados sem nenhum senso crítico pelo nosso sistema político.
A política, infelizmente, tem sido uma mera vocalizadora das pressões sociais, não se atrevendo nunca a avaliá-las e qualificá-las. Todos tremem diante da invocação de um novo direito e se esquecem de que tudo que for concedido tem, antes, que ser produzido.
A grande maioria da população não parece disposta a pagar mais impostos. Mas, contraditoriamente, as mesmas maiorias reclamam mais e melhores serviços públicos, o que implica mais gastos públicos. Nossa dívida pública bruta já é elevada e, portanto, já passou da hora de a sociedade e o sistema político se prepararem para a difícil tarefa de fazer escolhas.
Atrás de cada gasto público alinham-se muitos interesses diretos e indiretos, que vão reagir. Mas agradar a todos durante todo o tempo é impossível. Aumentar todos os gastos e não diminuir nenhum é o caminho mais curto para o colapso fiscal, a inflação e a desorganização da economia.
Os psicólogos modernos nos ensinam que a imagem que as pessoas fazem do mundo é, frequentemente, muito diferente da realidade. A tarefa de um sistema político virtuoso é ser uma espécie de tradutor dessas complexidades e mediador do diálogo permanente entre as instituições e o povo. Sempre que têm acesso à verdade, as sociedades são capazes de sacrifícios e renúncias, de que o mundo moderno já deu tantas provas.
Para diminuir a distância entre o possível e o impossível, e mesmo para tornar possível o desejável, os políticos no Brasil precisam tomar consciência da realidade e ter a coragem de agir em consonância com ela.