Brincar de trabalhar
Multinacional mexicana investe US$ 25 mi em parque em SP que simula cidade em miniatura em que crianças ganham dinheiro fictício
Uma nova multinacional mexicana começa a emergir, em um segmento dominado pelos vizinhos ao Norte, de parques de entretenimento.
Recém-aberto em São Paulo, no shopping Eldorado, o KidZania é uma cidade em miniatura em que crianças de 4 a 14 anos trabalham em troca de KidZos, para gastar com comida, lazer ou tranqueiras.
As crianças depositam KidZos no Bradesco, trabalham enformando chocolate da Kopenhagen e embalando sucos Su Fresh. Pilotam avião em um simulador da TAM, brincam de repórter da Folha, de radialista da CBN e até de missionário da Unicef.
O caminhão de bombeiro é patrocinado pela Porto Seguro, e o transporte de valores é da Prosegur. Há ainda médicos, policiais, frentistas, carteiros, artistas e jogadores de futebol, sem patrocinadores, e também uma universidade. Diplomados ganham mais.
As crianças podem gastar no salão Risqué ou na barbearia Bozzano, colorindo desenhos na loja da Faber-Castell ou com pizza e sanduíche que elas mesmas fazem na Pizzaria 1900 e no Burger King.
O Brasil é o 15º país a abrigar o parque, fundado em 1999 na Cidade do México e que começou sua expansão internacional em 2006, com a inauguração em Tóquio.
Juntos, os 18 parques KidZania (incluindo três no México) já receberam 40 milhões de visitantes. No Brasil, a expectativa é receber 400 mil neste primeiro ano, para uma capacidade é de 800 mil.
Instalado no local onde durante 17 anos funcionou o Parque da Mônica, o KidZania abriga 50 atrações. Outras 20, como uma livraria e um supermercado, sem marcas, devem abrir as portas ao longo dos próximos meses. Os ingressos custam R$ 120 por uma "jornada" de cinco horas. Pais pagam R$ 50.
O parque deve abrir as portas em mais cinco países neste ano, incluindo Reino Unido, Rússia e Qatar. China, Hong Kong e África do Sul estão em negociação para o ano que vem, revela seu presidente, Xavier López Ancona, 50.
WALT DISNEY MEXICANO
Por vezes descrito como o Walt Disney mexicano --talvez esteja mais para Tio Patinhas, pois não tem filhos, mas 16 sobrinhos que costuma levar em viagens de férias--, Ancona trabalhava como executivo da GE quando pediu período sabático para tocar um projeto proposto por um amigo: criar uma espécie de parque-creche em que os pais pudessem deixar os filhos brincando de faz de conta.
No fim dos anos 1990, com a economia mexicana emergindo da crise de 94, Ancona juntou dinheiro com amigos e familiares e foi atrás de patrocinadores. Após alguma resistência, conseguiu atrair o grupo Bimbo (gigante de pães do México), a Coca-Cola, a American Airlines e a Nestlé. Muitas marcas vieram depois e hoje elas fazem parte do modelo de negócio.
CRÍTICAS
O Instituto Alana, entidade que milita pela regulamentação da publicidade infantil, estuda se deve ou não entrar com uma ação contra o parque.
A entidade considera que a exposição de marcas fere resoluções do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).
"Uma coisa é preparar a criança para o mundo adulto e do trabalho, outra é relacionar as crianças com as marcas que patrocinam o lugar", diz Ana Cláudia Arruda Leite, coordenadora do Alana.
"A publicidade tem que conversar com o adulto, e não com a criança."
EDUCAÇÃO
Ancona rebate críticas de que o convívio com marcas pode ser prejudicial para crianças, ressaltando parcerias com escolas.
"Não é branding, é experiência e educação", diz. "A Universidade de Monterrey dá suporte com o conteúdo e temos apostilas para as escolas trabalharem antes e depois das visitas. E reservamos 5% dos bilhetes para crianças menos privilegiadas."
O empresário Emilio Medina, responsável por trazer a franquia para o Brasil, ressalta que as marcas dão um caráter "mais realista" ao parque e trazem um conteúdo "difícil de replicar sem a assessoria de empresas reais".
A TAM, presente logo na entrada, onde a decoração imita um check-in de aeroporto, diz ver no patrocínio uma forma de proporcionar benefícios para clientes de seu programa de fidelidade (os pais) e também de associar a marca a uma experiência de "qualidade mundial".
"É uma atividade lúdica e educativa", afirma o diretor de marketing da companhia, Eduardo Costa.
De acordo com ele, a TAM recebe muita visita de pais e crianças que querem conhecer os bastidores da aviação e estar no parque é também uma forma de atender a esse tipo de curiosidade.
O investimento no Brasil é de US$ 25 milhões. Desse total, explica Emilio Medina, 20% são bancados por patrocínio, sem renúncia fiscal.
Com as novas aberturas previstas para os próximos dois anos, Ancona espera ganhar porte para conquistar a terra de Walt Disney. Mas a comparação não para nos parques. Entre os planos futuros está levar o KidZania para as telas do cinema.