Porto Rico em liquidação
Há 10 anos sem crescer, endividada e já apelidada de 'Detroit do Caribe', ilha tenta atrair bilionários estrangeiros e empresas com imposto baixo e leilões
Imposto de Renda com uma alíquota de 4% por um período de até 20 anos virou o chamariz para Porto Rico tentar atrair empresas e bilionários americanos, depois de nove anos consecutivos sem nenhum crescimento do PIB.
Pacotes de incentivos a empresas que pagariam quase 40% de impostos em boa parte do território continental dos EUA, mais leilões de antigas bases militares para a instalação de fábricas ou exploração turística, pretendem reverter o declínio da ilha caribenha que é um "Estado associado" dos EUA.
A ilha de Porto Rico já foi apelidada, com certo exagero, de "Detroit do Caribe" pela falência de suas contas. Não há tantas ruínas urbanas como na gélida capital do automóvel, e a ilha é cercada por um deslumbrante mar azul-turquesa. Mas sua dívida é de US$ 90 bilhões (para um PIB de US$ 105 bilhões).
O desemprego se aproxima de 14%, quase duas vezes e meia o índice dos EUA, e nos últimos seis anos cerca de 300 mil porto-riquenhos (de uma população de 3,7 milhões) abandonaram a ilha rumo aos EUA. Segundo dados do próprio governo local, a maioria dos emigrantes tem diploma superior.
Em seminário para investidores em 2014, o bilionário John Paulson disse que Porto Rico "pode se tornar a Cingapura do Caribe, com a vantagem de que nenhum americano precisa abandonar o passaporte para morar aqui" --Cingapura já atraiu diversos bilionários atrás de menos impostos, como o brasileiro Eduardo Saverin, do Facebook, que renunciou à cidadania americana.
Paulson, que não se mudou para Porto Rico, comprou diversas propriedades na ilha, incluídos dois hotéis icônicos da capital, San Juan, o La Concha e o Vanderbilt.
As leis assinadas em 2012, mas implementadas em ritmo caribenho, preveem imposto baixo para o investidor que passe pelo menos seis meses do ano na ilha e para empresas que se instalem com previsão de exportar manufaturas e serviços.
Setores contemplados vão de tecnologia, farmacêutica e aeronáutica a bancos, indústria criativa e arquitetura.
Em uma antiga base militar de Aguadilla, norte da ilha, a companhia aérea alemã Lufthansa decidiu instalar um centro de logística e manutenção, aproveitando benefícios fiscais. O governo local já mandou emissários para sondar o possível interesse da Embraer de instalar uma unidade em Porto Rico.
"Faz todo sentido que uma empresa brasileira se instale aqui, com impostos baixos, desfrutando das leis e da Justiça americana e uma proximidade cultural latina, podendo exportar para os EUA bens e serviços", disse à Folha Antonio Medina.
Diretor-executivo da Companhia de Fomento Industrial de Porto Rico, ele trabalhou três anos em São Paulo como diretor financeiro do laboratório farmacêutico Merck.
Medina lembra que dentro do status especial de Porto Rico nos EUA, onde seus nativos têm cidadania, o sistema tributário local é autônomo.
DESEMPREGO
Há diversas outras diferenças de Porto Rico para o resto dos EUA. Boa parte dos serviços públicos, com exceção das telecomunicações, é estatal e privatizações são proibidas (mas são permitidas concessões). Cerca de 30% dos empregos são públicos. Políticas de ajuste implementadas nos últimos seis anos cortaram 40 mil dessas vagas, mas o endividamento não encolheu.
"Precisamos ser criativos e abertos a investimentos para reverter um quadro longevo de crise", diz Grace Santana, diretora-executiva da Autoridade para Alianças Público-Privadas de Porto Rico.
"Temos 1.500 instalações industriais que podem ser alugadas e vendidas, e temos um sistema de propostas aberto, em que o empresário chega com um plano de negócios e recebe uma contraproposta para a parceria."
Em Washington, fontes no governo americano dizem que não veem as medidas de Porto Rico como "guerra fiscal" contra outros Estados, ponderando que a situação quase falimentar demanda "medidas extremas".
E acrescentam que, com a aproximação entre EUA e Cuba, a vizinha Porto Rico --com leis americanas e um sistema de telecomunicações mais eficiente-- pode se tornar a melhor base de operações na região.