Cifras&Letras
Crítica História
Historiador descreve lutas por direitos de mineiros nos EUA
Autor une rigor e emoção para explicar conflitos na Virgínia Ocidental
"Meu Deus! Eles estão nos bombardeando", gritou um mineiro ao ouvir o som das explosões nas montanhas da Virgínia Ocidental. Por ordem do governo, pequenos biplanos voavam baixo, circulando sobre os esconderijos de grevistas. Lançavam bombas de gás e outras feitas de tubos de ferro recheados de porcas e parafusos, que podiam ferir, aleijar e até matar.
Era o Dia do Trabalho, em setembro de 1921. Pela primeira e única vez na história, norte-americanos foram vítimas de bombardeio em seu próprio solo. E os atacantes eram outros norte-americanos, a serviço do Estado, sob ordens do xerife de Logan, Don Chafin, ferrenho opositor do direito dos trabalhadores à sindicalização.
A cena foi um dos momentos decisivos na chamada "segunda guerra mineira", em que mercenários pagos pelos donos de minas de carvão, ao lado de forças policiais locais e estaduais, enfrentaram grevistas armados, que perseguiam não apenas os mais elementares direitos trabalhistas mas principalmente o direito à livre associação.
O governo estadual já tinha imposto a Lei Marcial, mas parecia não ter forças para subjugar os grevistas. Forças de apoio aos donos das minas disparavam rajadas de metralhadora contra os trabalhadores; em uma das batalhas, 30 mineiros teriam sido assassinados.
Então, mais uma vez, o governo dos Estados Unidos mandou forças do Exército para controlar conflitos trabalhistas na região. No dia 2 de setembro, o secretário da Defesa ordenou o despacho de tropas para a região montanhosa, rica em minério, onde nas últimas décadas do século 19 se desenrolou a "Corrida do Carvão".
A partir de 1880 e até a primeira década do século passado, companhias mineradoras se atiraram vorazmente sobre a região até então inexplorada. Cada uma tentava alugar ou comprar o máximo possível de terreno; outras, endinheiradas, compravam empresas menores --com esses métodos, a Consolidation Coal Company chegou a ter 50 mil acres de terra nos territórios mineiros da Virgínia.
Elas ocupavam uma terra quase sem lei, esquecida, longe dos poderes centrais do país. Ali, em pouco tempo, as operadoras das minas se transformaram em versões "modernas" de senhores feudais, fazendo dos trabalhadores livres pouco mais que escravos, servos que moravam em barracos alugados pelos patrões, compravam em lojas pertencentes aos patrões, rezavam em igrejas erguidas pelos patrões, recebiam pagamento definido pelos patrões e eram presos e julgados em instituições a serviço das mineradoras.
LUTAS CAPITALISTAS
A história da exploração do carvão nas montanhas da Virgínia Ocidental é, de certa forma, a história da implantação do capitalismo no mundo e das lutas que o devoram e, não poucas vezes, fazem com que cresça. Ela é contada com rigor acadêmico e profusão de dados em "The Devil is Here in These Hills" [O demônio está nestas colinas], lançado no início deste mês nos Estados Unidos.
James Green é um dos mais renomados historiadores do movimento sindical norte-americano. Professor emérito da Universidade de Massachusetts, doutor em história, Green vem há anos escrevendo sobre conflitos violentos entre capital e trabalho. Seu primeiro livro, "Morte no Mercado", de 2006, retrata o surgimento do movimento sindical em Chicago.
Apesar de o trabalho ser amplamente referenciado, a leitura é escorreita. Green combina dados, números e descrições com depoimentos dos próprios atores --líderes sindicais, proprietários de minas, policiais, xerifes, governadores, presidentes, comandantes militares-- para criar um quadro vivo dos movimentos.
O próprio título é emprestado do texto de um comandante militar que avaliou a situação local depois de um conflito sufocado por intervenção da milícia estadual. "Deus não circula nessas montanhas", escreveu em seu relatório o general Charles Elliot, comandante da Guarda Nacional. E continuou: "O Demônio está aqui nestas montanhas, e o Demônio é a cobiça".
Do calor das batalhas emergem figuras como a viúva agitadora Mother Jones, que os mineiros consideravam uma espécie de anjo da guarda, e os donos de minas classificavam como "a mulher mais perigosa da América". Também aparecem as ações da imprensa, da Justiça e do Estado, que assumem diferentes papéis de acordo com o momento nas três primeiras décadas do século 20.
E assim, com vigor e emoção, Green consegue contar, como diz no prólogo, "a história da luta do povo pela liberdade de pensamento e pela liberdade de associação em locais onde os direitos dos proprietários reinavam de forma suprema até então".
THE DEVIL IS HERE IN THESE HILLS
AUTOR James Green
EDITORA Atlantic Monthly Press
QUANTO US$ 16 (R$ 45,66) na Amazon (448 págs.)
AVALIAÇÃO Ótimo