Entrevista - Nir Eyal
Empresas usam 'anzol' para viciar usuários em seus produtos
Especializado em técnicas para "fisgar" consumidor, consultor diz que empresas deveriam evitar abusos
Quase 80% dos usuários de smartphones checam seus celulares nos primeiros 15 minutos depois de acordar. Um terço dos norte-americanos preferiria deixar de fazer sexo a abrir mão do aparelho.
E a tendência é só piorar, diz Nir Eyal, professor de Stanford e consultor especializado em ajudar empresas de tecnologia a tornar seus produtos mais viciantes.
No livro "Hooked: How to Build Habit-Forming Products" (fisgado: como construir produtos que formam hábitos), ele detalha o processo usado por empresas como Facebook, Instagram e Google para tornar seus produtos indispensáveis.
Nesse mercado, diz, "as empresas que vencem são aquelas que conseguem criar os produtos mais grudentos".
Para ele, é preciso que os consumidores entendam como sentimentos ruins, como tédio ou solidão, são manipulados para mantê-los fiéis a essas empresas. "Quero que as pessoas pensem em formas de ganhar mais controle de suas vidas em vez de serem controladas pela tecnologia."
A função de controlar abusos, segundo Eyal, também terá de ser assumida pelas empresas. "Pela primeira vez, as empresas sabem exatamente quem está abusando de seus produtos. E devem criar políticas que avisem o usuário de que ele está passando das medidas e que possam ajudá-lo a mudar sua experiência", afirma.
Folha - Como é o processo usado por empresas de tecnologia para "fisgar" usuários?
Nir Eyal - Esse ciclo, que eu chamo de "Hook" [anzol, em português], tem quatro passos básicos. Começa com um gatilho, algo que diz ao usuário o que fazer e pode ser externo ou interno. No Facebook, por exemplo, seria uma notificação, que chama a atenção para o que está acontecendo na rede.
Isso leva ao segundo passo, a ação, algo que o usuário faz em busca de uma recompensa. Ele vai abrir o aplicativo, checar a notificação e começar a ler seu feed de notícias.
O terceiro passo é a recompensa variável. [O psicólogo americano] B.F. Skinner mostrou que, quando uma recompensa é dada sem que possa ser prevista, a ação se torna mais frequente. Quando você está lendo o seu feed, não sabe exatamente o que vai encontrar.
E, então, chegamos à fase do investimento: quando o consumidor usa o produto de forma a aumentar a probabilidade de voltar a usá-lo. Se eu adiciono uma foto no meu perfil, ou adiciono um novo amigo, estou tornando o sistema melhor e preparando o próximo gatilho --uma notificação de que alguém curtiu minha foto, por exemplo.
Depois de um tempo, as empresas nem precisam mais de gatilhos externos. Em vez disso, eles começam a acontecer por causa dos gatilhos internos, associações na mente do usuário. Quando você está entediado, entra no YouTube; se se sente sozinho, abre o Facebook; se tem uma dúvida, checa o Google. Geralmente, são os sentimentos negativos que fazem as pessoas voltarem.
A estratégia das empresas já conta com sentimentos ruins?
Isso não é novo, todos os produtos são usados para resolver um problema. É preciso haver dor para que um produto ofereça uma solução. Estamos lidando com problemas que sempre existiram, tédio, solidão, medo, dúvida, mas agora podemos fazer algo sobre isso pegando telefones e abrindo aplicativos.
Há algo na personalidade ou uma fase de vida que aumente a propensão de ser "fisgado"?
As pessoas estão mais suscetíveis a mudar seus hábitos quando estão passando por fases de transição na vida --quando, por exemplo, você tem um filho, ou vai para a faculdade. Sua rotina e seus hábitos mudam, e essa é a grande razão pela qual vemos companhias se tornando tão populares entre os jovens.
Você descreve o ganho de importância desses produtos na vida das pessoas com uma analogia entre vitaminas e analgésicos. Como é isso?
O que ensinamos aos estudantes é que você não quer desenvolver produtos que são como vitaminas, algo que não é essencial, é só legal de ter. Mas, se você pensar no histórico dessas companhias, Facebook, Twitter, Instagram, Google, todas começaram como vitaminas. Depois passaram a ser uma necessidade, o que eu chamo de analgésicos. Há dez anos, ninguém acordava às 2h e entrava no Facebook para atualizar seu status. Hoje, se esses serviços fossem encerrados, as pessoas ficariam loucas.
Há duas razões pelas quais escrevi esse livro. A primeira é que eu quero ajudar os desenvolvedores a criar produtos melhores, que façam as pessoas terem hábitos mais saudáveis. Eu realmente acho que você pode usar essa mesma técnica para isso.
Ao mesmo tempo, o mundo está se tornando potencialmente mais viciante. Quero que as pessoas entendam como estão sendo manipuladas e pensem em formas de ganhar mais controle de suas vidas em vez de serem controladas pela tecnologia.
Quando o anzol se torna algo ruim?
Para a maioria das pessoas, esses produtos não são um problema. Exageramos às vezes, mas não somos viciados. Mas algumas têm uma dependência compulsiva. O vício sempre prejudica o usuário e não é algo novo, temos cigarros, álcool, há anos. Só que, pela primeira vez, as empresas sabem exatamente quem está abusando. E deveriam criar algo que avisasse o usuário de que ele está passando das medidas, que possa ajudá-lo a mudar sua experiência com o produto.
Para todos os que não são viciados, isso também será um esforço, e cada vez maior.
Há outras soluções?
Há uma citação que diz que nós ensinamos o que mais precisamos aprender e isso é algo com que eu lido pessoalmente na minha vida. O que fiz foi olhar para o modelo do anzol e pensar em como quebrá-lo. Comprei um temporizador que desliga qualquer aparelho elétrico em determinado momento --todas as noites, às 22h, a minha internet é desligada. O que eu fiz foi dificultar o acesso, então, quando penso em entrar no Facebook ou no e-mail, preciso pensar sobre o que estou fazendo.
Você diz no livro que "o valor econômico de uma empresa é uma função da força dos hábitos que cria". Por quê?
Os hábitos são uma vantagem competitiva --uma companhia que forma um hábito está menos propensa aos ataques de um concorrente. Quando se trata de produtos e serviços, não é sempre o melhor quem ganha. As empresas que vencem são aquelas que conseguem criar os produtos mais grudentos, formando hábito e tornando mais difícil que as pessoas parem de usá-los e migrem para outro.
Você afirma que o estilo de Don Draper [publicitário retratado pela série "Mad Men", que se passa nos anos 1960] é inútil hoje para todos os que não sejam as maiores marcas. Qual é a diferença entre a construção de uma marca e a formação de hábitos?
Todas as empresas querem criar uma associação mental, que você pense na marca delas sempre que tiver um problema. A diferença é que antes tínhamos que criar essas associações com publicidade, gastando toneladas de dinheiro para fixar a atenção das pessoas na marca em uma época em que elas eram obrigadas a assistir a comerciais quando viam TV.
E funcionava: com a repetição e o tempo, todos nós compramos Coca-Cola.
O que é especial hoje é que essas empresas de que falamos não gastam muito dinheiro em publicidade, porque é a experiência em si que cria essas associações.
Sem a formação de hábitos, Facebook, Instagram, Twitter, não existiriam --teriam quebrado se tivessem de gastar com publicidade a cada vez que precisassem trazer o usuário de volta.