Vale quanto vale?
Há lógica financeira por trás do pico global de venda de artes?
Quando bilionários concorrem para comprar um ativo, devem ter certeza de seu valor financeiro, não? Para o presidente da Christie's, Jussi Pylkkänen, a resposta é sim.
Na noite de segunda (11), ele vendeu "As Mulheres de Argel", de Picasso --a pintura mais cara da história dos leilões--, por US$ 179,4 milhões (R$ 535 milhões).
"Os participantes de um leilão estão muito cônscios do valor do objeto e tomam decisões de maneira extremamente ponderada", disse Pylkkänen depois da venda, argumentando que os lances finais foram cautelosos, em incrementos de US$ 500 mil.
Em meio a leilões recorde em Londres e em Nova York, a arte é cada vez mais tratada como ativo financeiro --mas não é. O valor financeiro de qualquer obra de arte continua tão intangível e indefinível quanto o sorriso da Mona Lisa. Como definiu o economista William Baumol, 30 anos atrás, seus preços "flutuam sem direção".
Ainda que não saibamos quem comprou o Picasso, podemos especular sobre seus motivos. O verdadeiro valor está em ser dono de um quadro que museus adorariam poder exibir ao público e deslumbrar a si mesmo e aos amigos com uma obra que poucos poderão ver.
O economista John Picard Stein escreveu, em 1977, que o valor da arte vem do prazer que proporciona e, por isso, "não é capturável por especuladores".
Há também recompensas sociais --ser convidado a jantares em galerias e museus. Em pesquisa do grupo de auditoria Deloitte com colecionadores de arte, no ano passado, 61% admitiram esse fator como motivação.
Os retornos financeiros são mais difíceis de deslindar. As vendas mundiais subiram para € 51 bilhões (R$ 174 bilhões) no ano passado, de acordo com a Fundação Europeia de Belas Artes, superando o pico anterior de € 48 bilhões, em 2007.
É pouco comparado aos quase R$ 880 trilhões (US$ 294 trilhões) nos mercados financeiros mundiais, mas é uma quantia que precisa ser justificada financeiramente.
OPACA E POUCO LÍQUIDA
É difícil fazê-lo. O índice Mei Moses World All Art, que acompanha preços dos leilões, subiu 7% entre 2003 e 2013 --ligeiramente menos do que o índice de ações S&P 500 (a arte contemporânea obteve retorno mais alto, 10,5%).
A arte se saiu melhor que os títulos financeiros ao longo das últimas décadas, de acordo com alguns indicadores, mas existem ao menos três motivos para ceticismo:
1) medir o lucro de obras revendidas em leilão ignora as que jamais retornam ao mercado, possivelmente por terem desvalorizado,
2) o mercado de arte sofre de opacidade e pesada falta de liquidez --nenhum quadro, mesmo de um mesmo autor, é equivalente a outro,
3) os custos por transação são extremamente altos --as casas de leilão cobram 20% de comissão dos vendedores.
E os colecionadores assumem riscos menos previsíveis quando fazem lances em leilões em lugar de comprar obras sigilosamente por meio de galerias. Obras-primas apresentam desempenho abaixo da média em longo prazo, enquanto quadros menos glamourosos têm retornos mais estáveis.
Os economistas Jianping Mei e Michael Moses disseram, em estudo sobre preços da arte entre 1955 e 2004, que "os investidores não devem se obcecar por obras-primas e precisam se precaver contra lances excessivos".
Ou talvez não: desafiar os riscos financeiros e apropriar-se de um quadro reverenciado de Picasso é o bastante.
Não há dúvida de que "As Mulheres de Argel" é uma obra de arte extraordinária. Determinar se será um investimento excepcional é outro assunto. Mas, para o comprador, isso pode não importar.