Entrevista Daniel Shapiro
Crianças são bons mestres para os que vão negociar
ESPECIALISTA DE HARVARD DIZ QUE SEGREDO É NÃO TRATAR O OUTRO LADO COMO ADVERSÁRIO
Na crise entre a Grécia e seus credores ou nos embates entre o governo brasileiro e o Congresso, há técnicas de negociação que podem ser inspiradas pelas crianças.
A ideia é do guru das negociações Daniel Shapiro, professor da Universidade Harvard, diretor do Harvard International Negotiation Program, que investiga as raízes emocionais dos conflitos e da negociação.
"Crianças são boas negociadoras, sabem usar emoções e explorá-las", diz Shapiro, que vem ao Brasil em setembro para participar do evento de negociação e gestão Fórum HSM. O primordial é achar uma atitude de cooperação, em que ninguém se sinta derrotado, diz ele, que já preparou negociadores de conflitos no Oriente Médio e do governo norte-americano.
O senhor está familiarizado com a crise na política brasileira? Como solucionar as deficiências de negociação?
Tenho familiaridade, mas não o suficiente para falar. Não importa quão bom o negociador seja, ele sempre poderá ser melhor, assim como um jogador de futebol. Ele tem um técnico e sabe que, com pequenas mudanças no modo como chuta a bola, pode fazer diferença.
O mesmo ocorre com negociações em governos ou empresas. Em pequenas variações, os líderes podem ter enormes mudanças nos resultados, porque são poderosos.
Há um método universal para ter negociações eficientes?
Alguns métodos funcionam melhor, mas não há um universal. O melhor é que as pessoas evitem abordagem de adversário e procurem cooperação, seja em disputa de negócios, seja em conflito político. É mostrar que o problema não está do outro lado, e, sim, na frente de ambos.
E isso não significa ser fraco. É ser duro com o problema. Os brasileiros são emocionais, e uma parte importante do meu trabalho é analisar como lidamos com o lado emocional nas negociações. As pessoas geralmente dizem: "livre-se das emoções, deixe-as de fora das negociações, fora dos contratos". Eu digo o oposto: "traga as emoções para dentro da negociação, mas certifique-se de que elas sejam úteis".
Que tipo de emoções?
Qualquer emoção pode ser útil. Se minhas necessidades não estiverem sendo atendidas no trabalho, eu poderei ficar bravo. E a raiva poderá não ser ruim neste caso, se ela me motivar a negociar com meus chefes e colegas para melhorar a situação.
Mas, em termos gerais, o tipo de emoção que se pode trazer são as positivas, se tivermos um conflito e quisermos resolver de forma construtiva. Devemos nos tratar com confiança. As negativas podem ser usadas em certas circunstâncias.
Eu posso envergonhar meu filho para que ele faça a cama dele, dizendo a ele que contarei para todos os seus amigos que ele não fez a cama. Mas também posso estimulá-lo.
Qual é a melhor?
Ter um desejo persistente de se conectar com o outro lado e construir conexões. Quanto mais sentimos que somos parte do mesmo time, mais informações nós dividimos. Isso beneficia os negociadores. Mesmo em situações difíceis, em conflitos complexos, pode haver várias formas de construir isso.
O sr. já falhou ao negociar?
Sim. E estes são os melhores aprendizados. Meu grande laboratório é minha família. Crianças são muito boas negociadoras. Elas encontram a sua vulnerabilidade e a exploram com eficiência. Eu digo para o meu filho: "Só um doce por dia". O que ele faz? Pergunta para minha mulher: "Mãe, posso comer dois doces?".
Ele procura outra pessoa que possa dizer sim. Crianças também são boas em usar emoções. Ele pede um biscoito e, se o pai nega, ele chora e grita. É difícil, mas seria ruim dar a ele porque significaria estimular essa atitude.
O senhor nunca dá o doce?
Eu tento. Mas se estivermos em um casamento e o meu filho começa chorar, talvez eu quebre a política. Em circunstâncias normais, eu me manteria firme, poderia negociar e convidá-lo a assistir um desenho animado.
É importante dizer não, mas é preciso dar uma razão que justifique. No contexto dos negócios, o fornecedor diz que vai vender um material por US$ 50 milhões. E eu respondo: "Não. Vou te pagar US$ 25 milhões". Podemos terminar em algum lugar entre 50 e 25. No entanto, pode ficar uma impressão de que um dos dois está usando truques de negociação e não deve ser confiável.
Este não é um bom resultado. A alternativa é esclarecer com razões sólidas e justas: "Estamos oferecendo US$ 25 milhões, que é o valor de mercado praticado por seus competidores". Eles respondem: "Mas nós oferecemos valor agregado". Essa é uma abordagem diferente porque se fundamenta. Não é só uma batalha de emoções, que custam muito dinheiro.
Como o sr. avalia a crise grega?
Há algumas maneiras para pensar negociações como as da Grécia. Qual é o verdadeiro acordo sobre a mesa? Como o acordo abrange as necessidades de todas as partes? A situação envolve diversos interessados: o povo grego, a Comissão Europeia, o governo grego, a oposição.
Seja reduzindo as medidas de austeridade, seja procurando oportunidade de crescimento, uma questão importante seria como unir os grupos, para que eles analisem os interesses de todos os lados no conflito e façam sugestões de opções criativas que sirvam a todos.
Uma crise é geralmente definida por um alto grau de incerteza, de apostas e de urgência. Como se reduz a sensação de crise?
Em vez de ter a mídia internacional focada na dúvida sobre se a Grécia vai ficar na União Europeia, melhor seria fragmentar isso em questões menores.
Como lidamos com a dívida e o pagamento dela? Como lidamos com o medo das pessoas nas ruas?
Como a mídia entra nisso?
Alguns contribuem, outros, não. Quando há negociações, a mídia tende a fazer uma questão: "Quem perdeu e quem ganhou?". Essa pergunta não ajuda porque faz um lado sentir-se superior, e o outro, inferior.
Perguntas melhores seriam: "o que vocês aprenderam sobre os anseios do outro lado? Quais novas ideias vieram para garantir o interesse de todos?". Significa dizer: "Negociadores, vocês não são inimigos, tentem não se preocupar em ganhar ou vencer, tentem resolver o problema". O mesmo acontece entre o Irã e a potências mundiais.
E seu novo livro?
Será publicado em abril de 2016. É sobre como negociar quando a sua identidade está envolvida. Há muito bom pensamento sobre negociação no mundo, mas muito do que há é muito racional.
A Grécia, por exemplo, está passando por um conflito carregado de emoção. Racionalidade não é suficiente para lidar com os problemas atuais do país. É preciso ter um novo conjunto de ideias para praticar quando ele é tão cheio de emoções.
Esse livro trata disso, seja em família, negócios ou conflitos políticos. Não importa, a teoria é a mesma.