Em grampo, suspeitos se alegram com chefia do fisco
Gravação da PF é do dia em que Jorge Rachid voltou ao comando da Receita
Segundo investigadores, Marcelo Fisch, ex-assessor do secretário, direcionou contratações; falhas serão punidas, diz Rachid
Em interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, suspeitos de corrupção na Receita e na Casa da Moeda comemoram a nomeação do atual secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.
Na operação batizada de Vícios, deflagrada em julho, a PF levantou indícios de que cerca de R$ 100 milhões foram pagos em propina a servidores dos dois órgãos para fraudar concorrência bilionária de um sistema de medição de produção de bebidas frias, como refrigerantes e cervejas, chamado Sicobe.
O principal alvo da apuração da PF, o ex-coordenador-geral de Fiscalização da Receita Marcelo Fisch, era homem de confiança de Rachid.
O esquema do Sicobe, segundo a PF, começou no início de 2008, quando Fisch era coordenador-geral de Fiscalização, na primeira gestão de Rachid na Receita.
A empresa escolhida foi a suíça Sicpa, já contratada anos antes na parceria fisco/Casa da Moeda, sem licitação, para o sistema Scorpios, de colocação de selos fiscais nos maços de cigarros.
Em março de 2008, Fisch solicitou à Casa da Moeda "estudo de viabilidade" para o controle de bebidas frias. Segundo o MPF, o pedido não fazia sentido, pois o serviço não previa um selo fiscal impresso, como nos cigarros.
Três meses depois, ainda na administração de Rachid, o governo editou uma MP obrigando fabricantes de bebidas a instalar equipamento de controle de produção.
Segundo a PF e o MPF, Fisch manobrou para que a Sicpa fosse contratada sem licitação. Os investigadores suspeitam também de direcionamento para a escolha da Sicpa no caso do Scorpios.
"As evidências expostas [...] convergem e se complementam, levando à fatal conclusão de que Marcelo Fisch corrompeu-se em troca de conduzir a Sicpa à contratação bilionária em foco", diz documento dos investigadores, obtido pela Folha.
O contrato entre a Casa da Moeda e a Sicpa para a implantação do Sicobe supera R$ 1 bilhão por ano.
Entre os investigados estão Daniel Borges de Menezes, funcionário da Casa da Moeda encarregado do contrato com a Sicpa e suspeito de corrupção, e Alexandre Correa Riedel, engenheiro da Sicpa lotado na Casa da Moeda, apontado como um dos corruptores. São eles que, na gravação da PF, comemoram a nomeação de Rachid.
Um dos diálogos, de acordo com documentos aos quais a Folha teve acesso, foi em 5 de janeiro, dia em que o ministro Joaquim Levy (Fazenda) anunciou o novo secretário. "Pra gente foi ótimo, né? [nomeação de Rachid]", diz Menezes. Riedel responde: "...maravilhoso! Essa notícia foi maravilhosa!". "Pro Marcelo [Fisch] também...", conclui Menezes.
Por meio de sua assessoria, Rachid disse que "não compactua com desvios de conduta" e que, "havendo provas, servidor envolvido tem que ser punido, seja quem for" (leia abaixo).
O processo corre na Justiça Federal do Rio, onde a Casa da Moeda está instalada.
Após a saída de Rachid, em 2008, Fisch perdeu o cargo de coordenador-geral de Fiscalização, mas permaneceu na Divisão de Controles Fiscais Especiais, setor responsável pelo Sicobe e pelo Scorpios.
Segundo o Ministério Público, "recentemente, com o retorno de seu antigo companheiro Rachid ao comando da Receita, Fisch foi nomeado chefe dessa divisão".
A PF cita como indício de ligação entre corruptores e Fisch outro diálogo, entre Charles Finkel, identificado como vice-presidente e lobista da Sicpa, e Alexandre Riedel. "Agora, o Peixe está querendo sair do Scorpios. Não deixa, não, hein!", diz Riedel. "Não, já não deixei, já não deixei", responde Finkel.
Segundo a PF, "peixe" é Marcelo Fisch, num trocadilho de peixe em inglês, "fish".