Noruega fatia bacalhau para frear chineses
Nórdicos passam a exportar pescado em embalagens a fim de destacar a procedência e agregar mais valor
Participação do país asiático nas importações do Brasil dispara nos últimos anos e vai a 24,5% do total
Muitos brasileiros acham que só dá pra ver cabeça de bacalhau na Noruega, mas isso não garante a preferência na hora da compra. Com preço menor, os chineses vêm ganhando mercado e as importações do país asiático saltaram de 7,9% em 2010 para 15,6% do total em 2014. No acumulado deste ano até julho, já chegaram a 24,5%.
Para tentar frear essa escalada, a indústria norueguesa, que dominava o mercado com folga com 73% de participação e agora responde por pouco mais da metade, aposta na tradição pesqueira (veja quadro ao lado).
Algumas fábricas começam a exportar o produto fatiado e embalado para o Brasil neste semestre, destacando a procedência para agregar mais valor.
Entre elas estão a Mathias, da região de Alesund, conhecida como a capital mundial do bacalhau, e a Leroy, de Bergen, segunda maior cidade do país, em que uma das atrações turísticas é o mercado de peixes Fish Me.
"Temos que ajudar a construir o conhecimento dos brasileiros para que eles saibam distinguir [os tipos de peixe]", afirma Torgeir Bjorge, gerente de compras e vendas da Mathias e neto do fundador da empresa.
Duas grandes redes de supermercados, Grupo Pão de Açúcar –que inclui a marca Extra– e Carrefour, já fecharam contratos com fabricantes noruegueses para ter os produtos nas gôndolas nesse formato.
Rafael Monezi, gerente comercial de peixaria do Grupo Pão de Açúcar, afirma que o bacalhau vindo da China já representa 40% das vendas na rede, e o restante se divide entre Noruega e Portugal, sem detalhar dados de anos anteriores.
"O desempenho do produto chinês se deve à variedade de itens processados que eles disponibilizam, como em lascas, filé sem pele e sem espinha, por exemplo."
A Noruega, que tem o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do planeta, fica no norte da Europa e tem apenas 5,2 milhões de habitantes, menos do que a cidade do Rio de Janeiro.
A pesca é uma das principais atividades econômicas e leva o país a ser o segundo maior exportador de peixes e frutos do mar do mundo.
Com um mercado interno tão pequeno, vende para fora 95% do bacalhau que produz, principalmente para Brasil e Portugal, que, juntos, consomem mais da metade desse volume.
CABEÇA DE BACALHAU
Na verdade não é possível ver a tal cabeça de bacalhau nem na Noruega. Esse é o nome que se dá a uma família de peixes chamada gadidae apenas após o processo de salga e secagem que leva, em média, seis semanas.
O que encontramos nadando nos mares nórdicos –e será pescado para virar bacalhau– é o gadus morhua. E outros três tipos de peixe (ling, saithe e zarbo) que podem ser vendidos como "tipo bacalhau".
OSCILAÇÃO DO CÂMBIO
Na Páscoa, os consumidores terão o peixe embalado também da marca Brodrene Sperre, que fica na região de Alesund e responde por 25% de todo o bacalhau norueguês exportado para o Brasil.
Por ora, a crise econômica e a oscilação do dólar trazem incertezas para o resto do ano. Levando em conta toda a indústria norueguesa, as exportações do item para o Brasil recuaram 25,6% no acumulado até julho ante o mesmo intervalo em 2014.
"Não há um câmbio ideal. O problema é a flutuação porque dificulta o planejamento", diz Johnny Haberg, diretor da empresa para o mercado brasileiro, ressaltando que os investimentos feitos agora para desenvolver novos produtos miram o longo prazo.
Considerando que o bacalhau da Noruega vem sendo trazido desde 1842 para o Brasil, que herdou o paladar dos portugueses, a avaliação sobre ameaça de concorrentes e cenário econômico deve mesmo vislumbrar um horizonte mais amplo.