Novas leis devem ter efeito no longo prazo
Para especialistas, solução mediada de conflitos será estimulada, mas é preciso também mudança cultural
Também se espera que o Judiciário invista em infraestrutura e na adequação dos serviços de conciliação
O novo Código de Processo Civil e a nova Lei de Arbitragem não deverão descongestionar o Judiciário a médio prazo, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.
A legislação atualizada estimula os meios consensuais para solução de conflitos, como a mediação e a conciliação. Mas a redução do elevado volume de processos nos tribunais requer mudanças nas práticas das empresas e de advogados, árbitros e juízes –além de investimentos no Judiciário.
Cerca de 40% dos 100 milhões de processos que tramitam no país são de autoria do Poder Público, em sua maioria execuções fiscais, não resolvidas pela mediação.
Esse realismo de negociadores e pesquisadores contraria o otimismo oficial, que prevê uma segunda Reforma do Judiciário a partir de março de 2016, quando entrará em vigor o novo CPC.
A arbitragem –decisão neutra de terceiros– teve a legislação atualizada em maio deste ano. Já o marco regulatório da mediação foi fixado em junho último.
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, presidente da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do CPC, definiu o novo código como uma "obra de ousadia e coragem".
Ele põe fé nos dispositivos que reduzem os recursos protelatórios: "Respeitando a ampla defesa, mas evitamos que a cada passo do juiz a parte possa recorrer".
Esse entusiasmo começa a ser contido no próprio Judiciário. Na semana passada, corregedores de tribunais estaduais decidiram pedir maior prazo para o novo CPC entrar em vigor. Afirmam que precisam de mais tempo para adequar diversos procedimentos trazidos pela norma à realidade das Cortes estaduais.
Em agosto, cerca de 500 magistrados aprovaram no Superior Tribunal de Justiça 62 enunciados [orientações] para a aplicação no novo código. No encontro, o item mais destacado foi a obrigatoriedade da conciliação antes da decisão do juiz.
"Ainda há uma resistência passiva, desconhecimento das vantagens da mediação, não somente por parte de advogados, mas dos juízes e dos jurisdicionados", afirma Kazuo Watanabe, desembargador aposentado do TJ-SP e professor de direito aposentado da USP.
"A população muitas vezes não quer mediação e nem conciliação, quer sentença de juiz. Predomina entre nós a cultura da sentença, e não a cultura da pacificação", diz.
Para ele, será necessário o Judiciário investir em infraestrutura e adequar os serviços de mediação e conciliação.
PARADIGMA
"Mais do que desafogar o Judiciário, como anuncia a mídia, o novo CPC vai provocar uma mudança cultural. As partes passarão a ter papel mais ativo", diz Luiz Fernando Fraga, do escritório de advocacia Barbosa Müssnich Aragão (BMA).
Prevê-se que o novo CPC venha a acelerar os julgamentos, estimular os devedores a pagar as dívidas e evitar recorrer ao Judiciário para protelar o cumprimento de seus compromissos.
Para Sérgio Fagundes, do BMA, empresas públicas e privadas, por exemplo, serão obrigadas a manter cadastros atualizados nos sistemas de processos eletrônicos para receber citações e intimações.
Em casos mais complexos, os advogados deverão ter participação mais ativa na produção de provas e na preservação de documentos, sugere o BMA. Por sua vez, a videoconferência reduzirá custos de deslocamentos para a produção de prova oral.
Nelson Nery Junior, professor titular da Faculdade de Direito da PUC e da Unesp, diz que as empresas estão usando cada vez mais a arbitragem, mas isso ainda é insuficiente. O novo CPC reforça a ideia de desafogar o Judiciário, "mas não traz nada de revolucionário".
"Pela minha experiência de 40 anos de profissão no direito –como advogado e árbitro–, as coisas podem melhorar, mas o impacto será muito pequeno. Tem que haver um choque cultural". "Não é com mudança de legislação, apenas, que serão melhoradas as condições da Justiça brasileira", diz.
Segundo o especialista, a primeira mudança tem que ser promovida internamente nas empresas, com os dirigentes estimulando os departamentos jurídicos a tentar a mediação e a arbitragem.
CUSTO DO LITÍGIO
O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, presidiu a Comissão de Juristas do Senado que atualizou a lei de arbitragem e mediação. Em entrevista ao site "Consultor Jurídico", disse que o ponto mais importante da lei é "mudar a cultura do litígio judicial para uma cultura da solução extrajudicial de autocomposição".
O advogado Frederico Straube não vê a arbitragem como uma alternativa para desafogar o Judiciário. "Muito mais importante será a prática efetiva da mediação", diz. Ele presidiu o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá e frequenta a lista de árbitros de várias instituições no Brasil e no exterior.
Segundo Straube, a mediação prévia como degrau obrigatório, antes do processo judicial, contribui para a redução de conflitos. A arbitragem, em si, não terá essa virtude e não é um procedimento barato.
A lei eliminou a dúvida sobre se os órgãos da administração pública poderiam se valer da arbitragem quando o Estado atua como ente privado. "Os juízes conhecerão melhor a arbitragem através do novo CPC", diz.
"Quanto mais importante for o caso para os negócios da empresa, deve-se optar pela arbitragem", recomenda Straube. É importante que os negócios sejam discutidos num juízo sigiloso. Uma das inovações da Lei de Arbitragem é determinar o segredo de Justiça no Judiciário quando houver confidencialidade na ação de arbitragem –exceto nos processos envolvendo a administração pública.
O empresário deve pensar sobre o custo da litigiosidade, valendo-se da mediação para as causas menores. Aos advogados ele sugere que as cláusulas não sejam teratológicas ou vazias.
Segundo Straube, uma solução arbitral pode ser obtida num prazo médio de 15 a 16 meses e tem valor de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. No Judiciário, chega-se a uma decisão final, no mínimo, 16 anos depois de iniciado o processo.
NA INTERNET
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folha.com/no1678778