'Uberização' gera debate na corrida pela Casa Branca
Democratas mostram preocupação com direitos de trabalhador, e republicanos exaltam economia livre
Em Washington, taxista se queixa de perda de clientes para aplicativo e afirma temer pela alimentação da família
A revolução de costumes criada pela nova economia chegou aos tribunais e à disputa presidencial dos EUA. Em ambos os casos, uma questão básica: como regular serviços de compartilhamento como Uber e Airbnb sem emperrar a inovação ou privar o usuário de seus benefícios.
As novas tecnologias deram uma roupagem moderna ao eterno debate entre democratas e republicanos em torno do papel que o Estado deve ter na economia.
Os democratas demonstraram preocupação com os direitos dos trabalhadores a serviço de empresas como Uber, que usa um aplicativo para conectar passageiros e motorista com a facilidade de alguns toques no celular.
"A chamada economia sob encomenda está criando oportunidades estimulantes e gerando inovação, mas também levanta questões difíceis sobre as proteções ao trabalhador e o que será visto como um bom emprego no futuro", disse Hillary Clinton, favorita para ser a candidata democrata nas eleições de 2016.
De olho no eleitorado jovem, a maioria dos candidatos republicanos abraçou com entusiasmo a "uberização" da economia, como o fenômeno tem sido chamado. Para eles, é um exemplo dos benefícios criados para a economia quando o governo sai do caminho.
O senador Marco Rubio, um dos presidenciáveis do partido, lançou neste ano um livro chamado "American Dreams" (sonhos americanos), no qual um dos capítulos é chamado "Torne a América segura para o Uber".
Num deboche à preocupação de Hillary, Rubio disse que ela está "presa ao passado e não entendeu como o mundo está mudando".
A realidade, contudo, é que ninguém parece saber exatamente para onde caminha esse admirável mundo novo. Na semana passada, um juiz da Califórnia aceitou ação trabalhista exigindo que os 160 mil motoristas do Uber no Estado norte-americano sejam reconhecidos não como autônomos, mas empregados da empresa, com direito a benefícios. Caso a ação saia vitoriosa, poderá ser um divisor de águas e uma ameaça para o modelo de negócios da chamada "economia compartilhada".
O reconhecimento dos motoristas como funcionários não só abalaria o lema "seja seu próprio patrão" propagado pelo Uber como encolheria seus lucros e aumentaria os preços para os passageiros.
Arun Sundararajan, professor de finanças da Universidade de Nova York, crê que um meio-termo entre os direitos trabalhistas e a flexibilidade da nova economia é possível. Para isso, afirma, é preciso adaptar a legislação à nova realidade e ampliar as categorias de emprego para além das tradicionais, como funcionário em tempo integral, meio expediente e autônomo.
VALE-REFEIÇÃO
Enquanto a legislação não se adapta aos novos tempos, a velha economia deixa perdedores pelo caminho. Há poucos dias, tarde da noite em Washington, um taxista ofereceu seus serviços ao repórter da Folha ao perceber que ele pedia um carro do Uber. A curta viagem foi preenchida pelas lamúrias do motorista, o etíope Abbas, que emigrou há 23 anos para os EUA.
"A queda nas corridas foi brutal. As pessoas só usam o Uber", disse ele, que trabalha há oitos anos como motorista na capital americana. "Se alguma coisa não mudar, o governo em breve terá de começar a distribuir vales-refeição aos taxistas para podermos alimentar nossas famílias."