Repasse do dólar já espreme indústrias
Fornecedores reajustam matéria-prima vendida a fabricantes, que têm dificuldade de elevar preço ao consumidor
Empresas esperam recuperação da cadeia nacional para reduzir impacto da moeda americana no custo
A desvalorização cambial espremeu a indústria. De um lado, o câmbio pressiona o custo da matéria-prima importada ou cotada em dólar. Do outro, a crise dificulta o reajuste no mercado interno.
Sem conseguir subir preços devido à queda no consumo, o setor industrial espera transferir o maior custo de produção daqui a dois ou três meses, quando os estoques, hoje altos, acabarem.
Outra saída para o aumento de custo é reduzi-lo, por meio da substituição de insumos importados por nacionais, quando for possível.
Em setores com maior participação de insumos importados, como o químico, os preços já subiram. Em agosto, a alta foi de 2,29% ante julho. "A nafta, nossa principal matéria-prima, é dolarizada. O impacto é imediato", diz Fernando Figueiredo, presidente da Abiquim, associação da indústria química.
Quem compra também deve repassar para o preço: o reajuste vai em cascata.
O aumento já é dado como certo no setor de eletroeletrônicos, eletrodomésticos, máquinas e vestuário, que informam não suportar mais elevação de custos devido às margens de lucro apertadas.
"O nosso rio não tem mais margem", diz Fernando Pimentel, superintentente da Abit, associação da indústria têxtil. Ele reconhece, porém, o cenário adverso para levar adiante a alta no preço do algodão e das fibras sintéticas.
Humberto Barbato, presidente da Abinee, que reúne a indústria eletroeletrônica, diz que o setor vive um impasse: "O empresário sabe que, no momento em que sobe preço, perde mercado. Ninguém quer tomar o primeiro passo. Mas, por outro lado, não há como absorver custos."
Além da possibilidade de perder mercado para o concorrente, o temor de que o consumidor desista da compra inibe a alta de preço. "Se você repassar tudo, mesmo sem concorrência, a pessoa adia ou desiste da compra", diz Renato da Fonseca, gerente de competitividade da CNI.
No setor de máquinas, o repasse só não ocorreu porque as encomendas despencaram e os empresários aguardam para ver se o dólar se estabiliza em "algum patamar".
"O fabricante se pergunta: que dólar uso? R$ 3,50 ou R$ 4,10? Como não tem clareza do impacto no custo do insumo, espera para ver se precisa aumentar 5% ou 10%", diz Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq, que reúne fabricantes de máquinas.
As negociações mais difíceis com o varejo agravam a situação. É o caso dos fabricantes do Amazonas, onde, por exemplo, 500 mil aparelhos de ar-condicionado estão encalhados. "O custo do insumo já está maior. Na produção de TVs, 80% são componentes importados. Na de motocicletas, 70%. Cada empresa terá de avaliar seu estoque e qual é o espaço para repasse", diz Wilson Périco, presidente do centro das indústrias do Amazonas.
Os fabricantes de fogão, geladeira e máquina de lavar enfrentam o mesmo problema. "Nosso fôlego não é grande [para segurar o reajuste]", afirma Lourival Kiçula, presidente da Eletros.