Escândalo torna partido de esquerda opção na Espanha
Popularidade de Podemos cresce enquanto legendas tradicionais perdem apelo popular por corrupção
Com estratégia na web, partido movido por jovens conquistou cinco cadeiras no Parlamento europeu em maio
O tema quase cansa. Está nos jornais locais, na televisão, na rádio e nas de rua. Entre cidadãos, o sentimento é resumido pela ideia: "A Espanha sofre pela corrupção".
Essa percepção, reforçada pelo escândalo recente da chamada Operação Púnica, se reflete no desgaste da política no país --e na ascensão de forças semelhantes ao partido Podemos, que se apresenta como externo à crise.
Em 27 de outubro, a polícia prendeu, na operação, 51 suspeitos de participar em um esquema de corrupção envolvendo serviços públicos em diversas regiões, incluindo Madri e Valência.
Entre os investigados estão Francisco Granados, ex-número dois do governista PP (Partido Popular) em Madri e José Maria Fraile, prefeito de Parla pelo PSOE (Partido Socialista Obrero Español).
O desgosto popular ficou claro em uma pesquisa realizada dias depois da operação pelo instituto Metroscopia, a pedido do jornal "El País".
O PP aparecia com 20,7% das intenções de voto. O PSOE, 26,2%. Mas o vencedor na sondagem foi o Podemos, com 27,7%.
Fundado neste ano, o Podemos em poucos meses se tornou a quarta sigla mais votada na Espanha, conquistando cinco cadeiras no Parlamento europeu em maio.
Movido por jovens e com uso estratégico da internet, a legenda de esquerda alimentou-se da insatisfação diante não apenas da corrupção, mas também da economia.
"A confiança no sistema político, sobretudo nos partidos, caiu por completo", diz à Folha Fernando Jiménez, professor de ciência política na Universidade de Murcia e coautor do "Informe da Democracia na Espanha", publicado pela Fundación Alternativas. "Há a sensação de que a política não rende os resultados necessários."
PONTOS FRACOS
A popularidade repentina, explica, vem da impressão de que o Podemos é alheio ao sistema. "Como não têm responsabilidade de governo, não podem ser corruptos."
"Mas temos de descontar o contexto, e pesquisa de opinião não equivale a voto. As pessoas irão repensar", diz. "O Podemos ainda causa incerteza, com um programa de governo que não está claro."
Para Jesús Sánchez Lambás, membro do comitê executivo da Transparência Internacional, é positiva a recente visualização de casos de corrupção, pois "mostra que as medidas de transparência que instituímos estão funcionando".
Lambás afirma, por exemplo, que a polícia especializada está mais bem preparada, apesar de a investigação desses casos ainda ser lenta.
"Pode haver uma transformação do mapa político eleitoral, com o surgimento de partidos que não sejam vistos como corruptos", diz. "Na Itália, partidos desapareceram em situações semelhantes."
Apesar do desgaste interno causado pela corrupção, os escândalos não chegaram a manchar a marca do país, segundo Carmen González Enríquez, diretora do Observatório Imagen de España, no Real Instituto Elcano. "Não há queda nos investimentos."
Mas, diz, "esses escândalos são vistos como prova de que a classe política é ruim". "A confiança nas instituições e partidos está baixa."
Daí vem, afirma, o crescimento do Podemos como alternativa a um cenário embolorado. "Mas esse é um voto de protesto, do tipo que aparece nas pesquisas, mas não nas eleições."