Análise
Chacina é lembrete de conflito que Ocidente parece esquecer
Sobra a certeza de que este assunto voltará a preocupar o Ocidente quando o terror saltar as fronteiras mais uma vez
A chacina dos inocentes de Peshawar é o tipo de lembrete possível de um conflito que tende a cair no esquecimento do Ocidente, uma vez que a antiga "guerra ao terror" mudou de foco.
Se antes as áreas tribais paquistanesas estavam no topo da lista de preocupações ocidentais, por ora o problema maior está em tentar conter o Estado Islâmico na Síria e no Iraque e ter de lidar com malucos como o atirador que invadiu um café em Sydney na segunda-feira (15).
Faz sentido para Washington, mas tem seu custo. O legado mais tóxico da antiga "guerra ao terror" sobrou para o Paquistão, país onde cerca de 50 mil civis morreram em ataques de militantes e escaramuças afins desde 2001.
A retirada dos EUA do Afeganistão, país onde Osama bin Laden se escondia quando ocorreu o 11/9, sacramentou a reorientação que já vinha desde a morte do chefe da rede Al Qaeda, em 2011.
Para quem ficou para trás, a matança continua. O Taleban paquistanês é parente do seu homônimo afegão, mas bem diferente na concepção. O Taleban afegão, com todos os horrores que praticou no poder entre 1996 e 2001, sempre buscou um controle territorial.
Os talebans são da etnia pashtun, majoritária no país e nas áreas tribais vizinhas do Paquistão. A fronteira entre eles é uma invenção colonial britânica, e o intercâmbio entre tribos é constante de lado a lado.
Diversos grupos militantes, que surgiram incentivados pelos serviços secretos do Paquistão para ajudar a combater a rival Índia, acabaram amalgamados sob a bandeira do Taleban paquistanês quando Islamabad passou a atacá-los mais duramente depois do 11 de Setembro, sob pressão americana.
O governo paquistanês luta desde então contra suas crias, numa crise sem fim.
Houve inspiração e ajuda do outro lado da fronteira, mas os objetivos e métodos sempre foram diversos.
Tanto é assim que hoje os fundamentalistas tribais preferem se identificar ideologicamente com o Estado Islâmico, enquanto o Taleban afegão volta e meia ensaia alguma acomodação institucional com Cabul.
É tentador ver uma repetição em forma de tragédia do que aconteceu após a ocupação soviética do Afeganistão (1979-89).
Os EUA ajudaram as guerrilhas islâmicas a desgastar os invasores, que acabaram se retirando, só para abandoná-las à própria sorte. Resultado: guerra civil violentíssima e ascensão do Taleban.
Contudo, o momento histórico hoje é outro, e não há uma disputa pelo governo do Paquistão em questão.
Por mais que o Estado não controle as áreas tribais, não é factível achar que os militantes irão tomar Islamabad e proclamar seu califado.
Sobram o ciclo de violência entre os locais e a certeza de que este assunto voltará a preocupar o Ocidente quando o terror saltar as fronteiras mais uma vez.