Venezuela autoriza atirar contra protesto
Resolução permite que Forças Armadas usem 'arma potencialmente mortal' em caso de manifestações violentas
Para ONGs, texto viola Constituição e 'legaliza' práticas já utilizadas; em 2014, 43 morreram em protestos pelo país
Em meio a sinais de tensão social, o governo da Venezuela autorizou as Forças Armadas a abrir fogo contra cidadãos em caso de manifestações violentas.
A resolução 008610, que aparenta contrariar a Constituição, foi assinada pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, e entrou em vigor na terça (27), após publicação no "Diário Oficial".
O texto diz que, "diante de uma situação de risco mortal, o funcionário militar aplicará [o] uso da força potencialmente mortal, com arma de fogo ou outra arma potencialmente mortal".
A resolução ressalta, porém, que se deve recorrer a disparos apenas quando se esgotarem demais alternativas de "contenção física".
Para militantes de direitos humanos, o texto viola dois artigos da Constituição: o 68, que "proíbe o uso de armas de fogo [...] no controle de manifestações pacíficas; e o 332, pelo qual os "órgãos de segurança cidadã são de caráter civil [e não militar]."
"Essa resolução é perigosa porque coloca no marco da legalidade práticas nefastas já utilizadas", diz a advogada Liliana Ortega, da ONG Cofavic. Ela acusa o Executivo de recorrer à teoria da segurança nacional, geralmente usada por regimes autoritários contra dissidentes.
Para Rocío San Miguel, da ONG Controle Cidadão para a Segurança, Defesa e Força Armada, o texto é arbitrário por não deixar claro quando nem como seria usada a "força potencialmente mortal."
A MUD, principal coalizão opositora, chamou a medida de "abominável".
A decisão foi recebida com irritação nas redes sociais, onde o presidente Nicolás Maduro é acusado de estar "em guerra contra o povo."
A medida foi implantada num momento em que é cada vez mais palpável a impaciência com a situação no país. À inflação de 64% somam-se filas enormes no comércio, escassez de remédios e produtos básicos --como sabão e papel higiênico-- e alto índice de criminalidade.
Há relatos de lojas saqueadas e confrontos entre polícia e manifestantes, principalmente no oeste do país.
A situação está longe da violência registrada no início de 2014, quando protestos deixaram 43 mortos. Mas analistas veem alto risco de acirramento da crise devido à queda global dos preços do petróleo e, portanto, da arrecadação financeira do país.
O risco de distúrbios é potencializado pela aproximação da eleição parlamentar de dezembro, na qual a oposição hoje é dada como favorita. A aprovação do governo, que se diz vítima de complô, é de 22%. "O potencial de conflito é muito alto", diz San Miguel.