Venezuela ocupa mercados de rede privada
Grupo Día Día é acusado por Nicolás Maduro de promover 'guerra econômica' e prejudicar o projeto socialista
Governo quer reorientar distribuição de produtos; críticos dizem que ação é "show midiático" para distrair população
SAMY ADGHIRNI
DE CARACAS
O governo da Venezuela ocupou na manhã desta terça-feira (3) lojas de uma das mais conhecidas redes privadas de supermercados do país alegando que a empresa cria filas artificialmente para irritar a população e prejudicar o projeto socialista.
Ordenada na noite anterior pelo presidente Nicolás Maduro, a medida contra a rede Día Día é parte de um ataque ao setor privado, acusado pelo governo de promover uma "guerra econômica".
As 36 lojas do grupo, espalhadas por seis Estados, amanheceram sob controle de fiscais do governo.
Não estava claro, até a conclusão desta edição, se os donos da rede foram presos, conforme havia anunciado Maduro.
No fim de semana, donos de uma das maiores redes privadas de farmácias no país, a Farmatodo, foram detidos sob a mesma justificativa.
Num Día Día do centro de Caracas, fiscais monitoravam o acesso e coordenavam funcionários da loja.
Quatro soldados armados com fuzis circulavam pelo supermercado. Sua presença, porém, não é novidade, já que o governo há meses impõe controle militar no comércio para evitar distúrbios.
Não havia filas no mercado visitado pela reportagem, mas tampouco havia produtos como leite, sabão e papel higiênico.
Responsável pela operação na loja, o tenente-coronel Leonardo Rodriguez Garban disse à Folha que caminhões estão levando produtos aos supermercados ocupados.
"A população quer prateleiras transbordando de produtos, e é isso que vamos providenciar", disse.
Garban avaliou que a ocupação deve durar duas semanas, tempo suficiente para "normalizar a situação".
Ele não especificou o que o governo pretende fazer para minimizar o desabastecimento, que se soma a um cenário de inflação de 64%, retração do PIB em 2,8% em 2014 e colossais dívidas interna e externa.
É provável que a situação se agrave nos próximos meses, quando a Venezuela sentir o impacto da queda dos preços do petróleo, produto responsável por 96% dos dólares que entram no país.
DESVIAR O FOCO
Críticos acusam Maduro de recorrer a medidas autoritárias contra o setor privado para se eximir da responsabilidade pela crise e desviar o foco do debate sobre os rumos do país após 16 anos de governo de esquerda.
O analista Gabriel Reyes diz que o governo tenta reverter sua impopularidade (Maduro tem apenas 22% de apoio) com um "show midiático" contra as empresas Día Día e Farmatodo.
"Reorientar a distribuição de produtos gera uma ilusão de abastecimento. Quando os estoques se esgotarem, quem irá repor a cadeia de comércio?", questiona Reyes.
O analista opositor e ex-deputado Eduardo Semtei vê um perigoso jogo de poder nas fileiras governistas. "Parece haver uma disputa interna pelo rumo a tomar. É como se Maduro estivesse numa lógica para ver quem toma medidas mais radicais".
Para muitos analistas, a situação atual não reflete apenas erros da era Maduro, mas também as controversas políticas implantadas pelo seu antecessor, Hugo Chávez (1999-2013).
Entre os erros apontados estão o esgotamento da bonança acumulada pela exportação de petróleo, o controle de câmbio e de preços e as expropriações que minaram o setor produtivo nacional, aumentando ainda mais a dependência das importações.