Minha História - Sairam Rivas, 21
A luta continua
Para líder estudantil venezuelana que ficou 132 dias presa, população tem de voltar a fazer grandes atos, como os de fevereiro de 2014
Resumo
Na próxima quinta (12), estudantes venezuelanos celebram um ano do início dos atos antigoverno que deixaram 43 mortos e centenas de presos. Personagem-símbolo da luta, a líder estudantil e ex-modelo Sairam Rivas, 21, ficou quase cinco meses detida por incitação à desordem e formação de quadrilha. Ainda sob restrições judiciárias, ela rejeita o diálogo e diz que a pressão das ruas é indispensável.
-
Entrei no movimento estudantil aos 18 anos, porque queria mudar a imagem da faculdade de trabalho social, que era vista como um antro de chavistas.
Ganhamos as eleições e, em 2012, assumimos o centro acadêmico, para desespero dos chavistas, que recorrem até a agressões físicas para nos intimidar.
Comecei a me interessar por política graças ao incentivo de um professor que era do Bandera Roja [sigla esquerdista que integra a aliança opositora].
Mesmo sendo parte do Bandera Roja, participei de atividades com o pessoal do Vontade Popular [do opositor Leopoldo López, preso há um ano] e da [deputada cassada] María Corina Machado.
No dia 12 de fevereiro [de 2014], saímos às ruas para protestar contra o governo, mas logo vi que a coisa ia ficar feia, com a presença ostensiva dos "coletivos" [grupos armados chavistas] e do Sebin [serviço de inteligência] e os primeiros mortos.
Enquanto o governo militarizava espaços públicos, montamos um acampamento [num bairro de classe média de Caracas] para demonstrar que as praças pertencem ao povo.
Adoraríamos ter montado outros acampamentos em bairros populares, como Catia. Mas, se você chega lá e começa a erguer barracas, na hora chegam os "coletivos" [grupos civis armados pró-chavismo] atirando.
No 40º dia, a polícia desmontou o acampamento e nos levou para as instalações do Sebin [Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional]. Alguns amigos meus foram libertados, mas eu fiquei.
Os primeiros dias foram os piores. Não tinha ideia da minha situação, e era horrível ver meus pais desesperados.
Meu pai já tinha câncer e sofria muito ao me visitar.
'TUMBA'
Fiquei numa cela pequena, onde matava o tempo lendo.
Não sofri violência física, mas cheguei a ficar 55 dias sem ver a luz do sol. E vivia sob ameaça de ser levada à "tumba" [notória prisão num subsolo de Caracas].
Após 132 dias, fui libertada, mas continuo proibida de sair de Caracas e obrigada a ir ao tribunal a cada oito dias. Não posso participar de evento público. Meus amigos chavistas --sim, ainda tenho [risos]-- dizem que meu telefone está grampeado.
As pessoas têm de voltar a protestar no dia 12. Podemos obter conquistas assim.
Nossa luta deve ser pacífica, mas é fundamental continuar a mobilização.
Há quem defenda o diálogo com o governo, mas isso exige condições que não estão sendo cumpridas. [O ex-líder antiapartheid Nelson] Mandela só dialogou quando o governo sul-africano libertou prisioneiros.
Os partidos opositores que querem dialogar têm interesses econômicos. É aquele toma-lá-dá-cá de cargos e funções. Ao governo interessa que as fotos deste diálogo sejam divulgadas para que o mundo diga: "veja como a Venezuela é democrática".
Na prisão, vi detidos com 70 anos de idade e diabéticos.
A população sofre com escassez de produtos básicos, filas e crise econômica. São condições para uma explosão social. O governo sabe disso e soltou uma lei que diz "se você for para a rua, te mato [resolução que autoriza disparos contra manifestantes]".
Meu pai morreu em de janeiro. Sofro por não ter convivido mais com ele neste tempo.
Deixei de lado a atividade de modelo, que comecei aos 14 anos. Agora quero me dedicar à política. Não sei se chegarei a prefeita, ministra ou presidente, mas meu objetivo é lutar pelo que é justo.