Leis sobre aborto, casamento gay e consumo de maconha marcaram governo
Em 19 de setembro de 2012, José "Pepe" Mujica apareceu diante das câmeras com um intrigante corte no nariz.
Explicou que, na noite anterior, havia ajudado um vizinho de sua granja que quase perdera o telhado de casa devido a um vendaval.
A imagem correu o mundo. Reafirmava que Mujica preferia ser um cidadão comum, que prefere a vida solidária levada pela gente do campo ao luxo da residência oficial.
"A ideia de decência política, de alguém que sai do poder com as mesmas posses que tinha quando entrou, é de uma simbologia muito forte num continente marcado por escândalos de corrupção", diz à Folha Steven Levitsky, professor de Harvard.
Na declaração patrimonial mais recente de Mujica, constam seu sítio, dois veículos Volkswagen de 1987, três tratores e ferramentas agrícolas.
Seu patrimônio é de US$ 300 mil, quase a metade do que doou ao plano de moradias populares Juntos e a seu partido, a Frente Ampla.
Foi a ambos que Mujica direcionou mais de 80% de seu salário em quatro anos.
"Seu discurso tornou-se atraente em várias partes do mundo porque vivemos um tempo de consumismo. Até no Japão publicou-se um livro didático para crianças usando um discurso de Mujica sobre a situação do planeta, do ambiente e do capitalismo", diz o biógrafo Mauricio Rabuffetti.
O livro "José Mujica - A Revolução Tranquila" sai no Brasil, pela Leya, em abril.
Nas áreas econômica e social, o balanço da era Mujica é positivo.
Junto ao primeiro governo de Tabaré Vázquez (2005-2010), o desemprego caiu de 20% para 6%, a pobreza, de 40% a 10%, e a indigência, de 5% a 0,5%. Já o crescimento médio do PIB ficou em 5,5% entre 2005 e 2013.
Ex-guerrilheiro tupamaro que ficou quase 15 anos preso, Mujica deixa o governo elogiado por pregar os valores republicanos.
"Muitos uruguaios se perguntavam como um defensor da luta armada iria respeitar as instituições. Hoje, a institucionalidade sai fortalecida", diz Rabuffetti.
Levitsky acrescenta: "Conseguiu ser respeitado pela direita e pela esquerda ao dar o exemplo de governar democraticamente, após ter sofrido tanto durante a ditadura".
Mas o que o projetou ao mundo foi fazer o Congresso aprovar leis de direitos civis.
Em sua gestão, entraram em vigor as leis do casamento gay e do aborto e está em regulamentação a que transfere ao Estado a produção e a distribuição da maconha.
"Não é uma lei hippie, não sou a favor da marijuana, queremos tirar o negócio das mãos do narcotráfico", disse ao jornal argentino "Perfil".
As medidas foram consideradas "pioneiras" pela revista britânica "The Economist", que por isso escolheu o Uruguai "país do ano" em 2013.
CRÍTICAS
Os uruguaios, porém, veem o líder com olhar mais crítico. Um aumento da criminalidade nos últimos anos fez com que a segurança se transformasse em principal assunto da última campanha eleitoral. A direita até conseguiu levar a plebiscito um projeto de redução da maioridade penal, que acabou derrotado.
Outra fraqueza da administração Mujica é a educação. O Uruguai obteve o pior resultado no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) desde que as provas foram criadas em 2003 (caiu do 47º ao 64º). "O Uruguai sempre esteve entre os países mais escolarizados e com mais altos índices de alfabetização na América Latina, e a Frente Ampla pôs isso a perder", disse o opositor Pedro Bordaberry à Folha, em entrevista durante a campanha eleitoral.
Mujica defende-se, dizendo que os números são apenas sinal de que crianças antes muito carentes por fim entraram no sistema educacional, daí a queda da performance média.