Foco
Sírios cobrem relíquias com terra para salvá-las do Estado Islâmico
Populações locais ajudam na preservação, afirma especialista
Os vídeos em que rebeldes do Estado Islâmico (EI) aparecem destruindo esculturas milenares não só chocaram o mundo como mostraram que não há recuperação para o que foi deixado em pedaços.
Essa é a avaliação do historiador sírio Ahmad Serieh, ex-diretor de museus e sítios arqueológicos do Ministério da Cultura da Síria. "Para o que foi destruído e roubado, simplesmente não há volta", diz.
O objetivo agora é salvar o que sobrou. Segundo Serieh, a Síria vem cobrindo sítios arqueológicos com terra para escondê-los. Além disso, o país corre para documentar todo seu acervo.
Serieh se mudou para o Brasil em 2010, um ano antes da eclosão da guerra civil entre rebeldes e o regime do ditador Bashar al-Assad.
Atualmente, ele é pesquisador do centro de estudos árabes Bibliaspa, em São Paulo. Leia trechos da entrevista em árabe à Folha, com mediação de um intérprete.
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Folha - Qual a situação do patrimônio histórico da Síria?
Ahmad Serieh - Antes que o Estado Islâmico dominasse o norte do país, havia pequenas ações simples de saques para tráfico de obras. Quando eles passaram a controlar Raqqa e Deir ez Zor, região onde fica a maioria dos sítios arqueológicos, os responsáveis precisaram abandonar os locais. E as ações da milícia incluem pilhagem de obras e escavações clandestinas.
É possível calcular as perdas?
Não se sabe o que está acontecendo nessa região dominada pelo EI. O restante está bem preservado. As populações locais é que cuidam dos sítios arqueológicos.
Como tentar preservar as obras em risco?
A Síria fechou os museus em 2011. Ao menos 90% do patrimônio arqueológico no interior dos museus sírios está bem preservado. As obras mais valiosas foram conservadas em local seguro, em Damasco. Outra ação é em sítios arqueológicos que estão próximos a uma região de guerra. Imagine que tenha sido descoberto um palácio em uma escavação. É possível protegê-lo devolvendo a terra para cobri-lo novamente.
Isso foi feito na Síria?
Sim. Há dois anos, o palácio real de Ebla, um dos sítios arqueológicos mais importantes do país quando se estuda o terceiro milênio a.C., foi soterrado. No sítio arqueológico de Palmira, os túmulos foram fechados com grandes portões de ferro. Mosaicos também foram escondidos sob o solo em locais seguros.
Nas montanhas, porém, há obras que dependem dos moradores vizinhos para serem protegidas.
A comunidade internacional tem dado a atenção necessária ao acervo em risco?
Desde 2011, há uma visibilidade cada vez maior para ações da ONU, da Unesco e do Icom (Conselho Internacional de Museus). Cerca de 4.000 antiguidades que tinham sido roubadas da Síria foram recuperadas em cooperação com a Interpol. E foi criado um escritório permanente em Beirute para a vigilância das antiguidades.
Há ainda uma cooperação entre universidades e museus europeus para classificar e catalogar as obras sírias que estão preservadas. Para garantir seu registro, caso as obras sejam destruídas.
Qual a dimensão da destruição causada pelo EI?
O processo de saque de obras arqueológicas é algo que existe em vários locais: Egito, Síria, Iraque. Os grupos agem com o objetivo financeiro de traficar obras. O EI veio com uma ideia mais radical, que é a destruição[de outras culturas e religiões].