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Congregação Beit Simchat Torah, que existe em NY há 42 anos, celebra casamentos judaicos gays, mas enfrenta protestos dentro e fora da comunidade
Na noite gelada e chuvosa da sexta, 9 de fevereiro de 1973, dez homens judeus se encontraram numa igreja cristã em Nova York às 20h. Foram recebidos por um outro judeu, de origem indiana, que carregava velas, um candelabro e uma chalá (pão tradicional judaico).
Estavam prestes a celebrar o primeiro Shabat (serviço religioso celebrado às sextas-feiras) oficialmente gay da história "" "oficialmente gay", porque assim "decretou" o indiano em um anúncio de jornal que convidava interessados para o evento.
Na noite quente e abafada da sexta, 26 de junho de 2015, 600 pessoas se encontraram na mesma igreja para celebrar o Shabat. Outros tempos: estavam ali para também comemorar a decisão proferida pela Suprema Corte dos EUA naquela manhã, que legalizou a união gay no país.
A bem da verdade, a congregação que resultou do primeiro encontro, Beit Simchat Torah, já oficializava casamentos gays havia muito tempo, cerca de 12 por ano. Mas o momento era uma vitória inequívoca para seus membros.
Ativistas dos direitos civis e religiosos da comunidade LGBT, eles continuaram a comemoração no domingo seguinte (28), na Parada do Orgulho Gay, desfilando com chupás nas cores do arco-íris.
Não poderia ser mais simbólico: a chupá é a tenda debaixo da qual se celebram matrimônios judaicos. E as cores do arco-íris representam o movimento gay.
A rabina principal da sinagoga, Sharon Kleinbaum, costuma dizer que aqueles 11 homens começaram uma revolução em 1973. E esse processo ainda está em curso.
Quarenta e dois anos depois, a Beit Simchat Torah ainda realiza cerimônias na mesma igreja onde tudo começou, um templo que historicamente acolhe grupos de diferentes origens e crenças.
A sede própria da congregação deverá ser inaugurada no final deste ano. E, ainda que ela reúna a cada ano mais membros, homo e heterossexuais, enfrenta protestos dentro e fora da comunidade religiosa. Seus membros já foram vítimas de hostilidades de grupos conservadores que não os consideram judeus.
A Organização Ortodoxa Judaica, que reúne mil congregações americanas, afirmou que condena a discriminação de indivíduos, mas que a religião "é enfática em definir casamento como uma relação entre homem e mulher. Nossa crença é inalterável".
A oposição não é restrita à esfera da fé. Encontra eco na mesma Suprema Corte que, por 5 votos a 4, determinou que o casamento gay é direito assegurado pela Constituição.
"Esse entendimento de casamento, focado quase inteiramente na felicidade das pessoas que escolhem se casar, é compartilhado por muita gente hoje, mas não é o entendimento tradicional", escreveu em seu voto um dos ministros contrários, Samuel Alito.
"Há muitas maneiras de interpretar a tradição", responde a rabina-assistente da congregação, Rachel Weiss. "Isso muda ao longo do tempo."
Assim como a pena de morte, a condenação da homossexualidade deixou de se enquadrar no texto sagrado, avalia Weiss. "Toda pessoa é criada à imagem de Deus, e sabemos que ser gay não é escolha: é o que somos. O judaísmo preza a dignidade das pessoas e aceita que amemos e sejamos quem somos."
NO BRASIL
Também há no Brasil sinagogas afiliadas aos movimentos que chancelam o casamento gay, diz o rabino paulistano Michel Schlesinger. A Congregação Israelita Paulista --uma das maiores do país, na qual ele atua-- adota interpretação mais tradicional.
"As sinagogas devem acolher com dignidade os casais homossexuais e buscar um espaço ritual para a celebração de sua união. A liturgia tradicional do casamento judaico foi composta para um casal heterossexual e, em minha opinião, não se aplicaria a um matrimônio gay", diz.
No limite, cabe ao cidadão decidir qual templo frequentar. E o veredicto está nos fatos, diz Weiss: "Enquanto sinagogas nos EUA estão morrendo, a nossa só cresce."
Depois dos anos 1990, quando tornou-se mais acessível a casais gays adotarem crianças nos EUA, membros da sinagoga começaram a trazer seus filhos para os rituais. A Beit Simchat Torah, então, expandiu suas atividades. Hoje oferece cursos religiosos, convivência comunitária e acaba sendo o ponto de partida de histórias de amor.
Criada como cristã, Carley Gooley, 25, sempre quis se converter ao judaísmo. Tomou coragem quando começou a namorar uma menina judia que queria companhia para ir à Beit Simchat Torah.
Usando quipá (solidéu), ela se considera sortuda por poder "transformar" toda a sua vida. "Sem essa sinagoga, não teria sido possível".