Clóvis Rossi
A mão que incendeia o berço
Israel dá força aos colonos que ocupam territórios palestinos, o que é combustível para o ódio
O Itamaraty tocou a nota certa no comunicado oficial a propósito da morte de um bebê palestino queimado vivo em sua casa pelo que a mídia e as autoridades israelenses chamam de "terrorismo judeu", promovido por grupos de colonos.
A nota torna-se ainda mais relevante no momento em que Israel designa como seu representante no Brasil exatamente um líder dos colonos, Dani Dayan.
O Itamaraty "lamenta que a ausência da necessária solução política para o longo conflito continue a provocar vítimas de ambos os lados". Por tal solução, entenda-se a criação "de dois Estados, Israel e Palestina, vivendo lado a lado, em paz e segurança".
Os colonos opõem-se a essa saída, mas são há algum tempo a força preponderante em Israel.
Prova-o, além da designação de Dayan para o Brasil, a indicação de Danny Danon para as Nações Unidas. Trata-se de acérrimo inimigo da criação do Estado Palestino.
Mesmo um conservador como David Horovitz, criador do sítio "The Times of Israel", lamenta: "Danny Danon é a verdadeira face de Israel de Netanyahu" (Binyamin Netanyahu, premiê israelense).
É essa face agressiva que estimula atos como o incêndio que matou o bebê palestino (seu pai também morreu, posteriormente), como diz o escritor David Grossman, notório pacifista.
Em artigo para o jornal "El País", Grossman afirma que é "difícil entender como o chefe do governo e seus ministros não percebem os vínculos entre o fogo que estiveram atiçando durante décadas e as chamas dos últimos acontecimentos".
É uma alusão direta à "ocupação da Cisjordânia, que já dura 48 anos".
Reforça o premiado jornalista, também judeu, Shlomi Eldar, do site Al-Monitor:
"[O terrorismo] se tornou possível pela inépcia das agências israelenses de aplicação da lei nos territórios [ocupados por Israel e pertencentes aos palestinos], assim como pela patente e categórica discriminação contra palestinos em favor dos colonos".
Ao dar tamanha força para os colonos, Israel fornece combustível para o fanatismo dos que acham que a Cisjordânia é dos judeus, diga o que diga a legalidade internacional.
Quando se fala de legalidade internacional, autoridades israelenses levantam sempre um ponto: as Nações Unidas dividiram aquele pedaço do mundo em dois Estados, um para os judeus, o outro para os palestinos. Mas os países árabes não aceitaram a partilha e atacaram Israel.
É fato, mas a derrota e tudo que veio depois dela não mudaram a regra então estabelecida.
Logo, ao permitir e até estimular a presença de assentamentos judaicos em terras palestinas, Israel está no mínimo tolerando uma ilegalidade.
Respaldados, é inevitável que os colonos se sintam tentados a outras ilegalidades.
Claro está que os palestinos também estimulam seus próprios fanáticos, ao dar o nome de praças a terroristas que praticam atentados em Israel.
Em sendo assim, que os dois grupos vivam "lado a lado, em paz e segurança", como pede o Itamaraty, é obviamente necessário, mas, hoje por hoje, uma utopia, por definição inalcançável.