Após caos na Hungria, refugiados sentem alívio ao chegar à Áustria
Na maioria sírios, recém-chegados relatam ter passado fome e sede em estações de trem húngaras
Moradores de cidade na fronteira se mobilizam e distribuem comida, roupas e brinquedos para os estrangeiros
O sábado já escurecia num campo de chão batido na minúscula cidade austríaca de Nickelsdorf quando refugiados e voluntários cumpriam o rito criado na noite anterior: interromper as atividades para dar uma salva de palmas a mais um ônibus que chegava de Budapeste, na Hungria.
Em 24 horas, Nickelsdorf, que faz fronteira com a Hungria, recebeu pelo menos 5.600 pessoas (a maioria de sírios), mais de duas vezes os seus 1.700 habitantes.
A cidade entrou no mapa da crise de refugiados e migrantes por ser a primeira parada dos que entram na Áustria. Na noite de sexta (4), o governo austríaco abriu a fronteira para a multidão que fazia a travessia de 170 km a pé desde a capital húngara.
A cidade é um ponto de passagem, mas virou espécie de salvação e alívio para os refugiados que estavam em território húngaro.
"Passei dois dias na estação de trem na Hungria e nem água direito ofereciam. Não tinha nada, só queriam que fôssemos embora", esbravejava o sírio Kaman Ahmed, 40, um dos que caminhou até a fronteira com a Áustria.
O premiê húngaro, Viktor Orban, líder da direita conservadora, admite publicamente o incômodo com a presença dos refugiados.
A chegada repentina de famílias inteiras, incluindo crianças e idosos, mobilizou moradores da região. Eles montaram uma cozinha improvisada e distribuíram roupas usadas e novas, sapatos, cobertores e brinquedos.
"Vi a notícia sexta à noite e corri para cá, porque tenho duas filhas, imaginei a situação, tinha de ajudar", diz a austríaca Eva Kvanda, 41, de Klosterneuburg.
Assim como Eva, a síria Ibtisem, 39, também tem duas filhas, Halah, 7, e Janat, 8. Cada uma ganhou um par de tênis novos na Áustria.
Os antigos, conta a mãe, ficaram pelo mar na travessia de quatro horas em um barco com 45 pessoas entre Bodrum (Turquia) e a ilha grega de Kos. Este é o mesmo trajeto onde morreu na última quarta (2) o menino Aylan Kurdi, 3, cuja foto do corpo chocou o mundo.
Da Grécia, foram para Macedônia, Sérvia, Hungria e, por fim, Áustria. Sonham agora com a Alemanha.
De Nickelsdorf, o próximo passo é seguir de trem para Viena, em vagões organizados pela polícia. A maioria quer chegar à Alemanha, muito mais forte economicamente, para tentar receber asilo. O governo de Angela Merkel prevê 800 mil pedidos este ano, à frente de qualquer outro país europeu.
"O que ouvimos de outros amigos da Síria que estão lá (Alemanha) é que as coisas são mais fáceis", diz o sírio Maruan, 27, enquanto esperava o trem para Viena com a mulher Fidan, 27, e os filhos de dois e três anos.
Os governos alemão e austríaco, alinhados no discurso a favor de abrir as portas para os refugiados, estimam que mais de 10 mil devem deixar a Hungria neste fim de semana –não há ainda um número preciso de quantos realmente já saíram da Hungria.
No sábado (5), milhares se aglomeraram na estação de trem de Budapeste à espera de partir. Outras 1.800 pessoas começaram mais uma travessia a pé até a fronteira austríaca. Mais refugiados são esperados neste domingo (6) em Nickelsdorf.
A reportagem da Folha percorreu a estrada usada pelos refugiados até a Áustria. Nas margens da rodovia, sobraram roupas, barracas e outros itens pessoais deixados para trás na correria para subir nos ônibus oferecidos pelo governo húngaro.
A ONU estima que pelo menos 340 mil pessoas atravessaram o Mar Mediterrâneo em 2015 em direção à Europa.
Pelas regras da União Europeia, o refugiado deve pedido asilo no primeiro país que entrou, ou seja, não pode seguir para outras regiões.
A maioria, porém, quer chegar a áreas mais ricas, como Alemanha e França, o que tem causando esse fluxo de pessoas dentro do bloco.