Europa busca solução sustentável para crise
Pressionados por trágicos episódios em suas fronteiras, líderes precisam de resposta urgente, mas viável no longo prazo
Especialistas afirmam que é possível receber mais refugiados sem sacrificar infraestrutura de bem-estar social
A repercussão mundial da imagem do corpo do menino sírio Aylan Kurdi, 3, numa praia da Turquia, elevou a pressão sobre líderes da Europa, que responderam nos últimos três dias prometendo fazer mais para conter a crise de refugiados.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, pediu que sejam acolhidos 100 mil refugiados. A ONU disse que o bloco deveria receber 200 mil. Segundo a OIM (Organização Internacional para as Migrações), 360 mil pessoas já chegaram à Europa neste ano.
O desafio maior para a União Europeia (UE) é encontrar uma solução urgente, mas que seja sustentável no longo prazo.
O limite para a acolhida, com seu impacto futuro, é um dos principais pontos de discussão. A Alemanha, por exemplo, já disse que "no longo prazo, 800 mil refugiados [a estimativa de pedidos de asilo para este ano no país] são excessivos".
A especialista em políticas de imigração Christina Boswell, da Universidade de Edimburgo, lembra que, como signatários da Convenção de Genebra sobre refúgio, os países europeus não podem estabelecer limites para receber refugiados.
"Se atendem à definição de refugiado, que é de uma pessoa que foge de algum tipo de perseguição, então devem receber asilo", diz.
"Alguns argumentam que o limite pode ser justificado por questões de segurança nacional –por exemplo, se o fluxo de refugiados ameaçasse a estabilidade do país que os recebe. Mas esse extremo não chegou a acontecer até hoje num país europeu."
Para Mollie Gerver, especialista do Departamento de Governo na London School of Economics, é claro que a Europa deve receber "o máximo de refugiados que puder sem sacrificar suas instituições e sua infraestrutura de bem-estar social". "E esse número é certamente muito maior do que a Europa está aceitando atualmente", diz.
No próximo dia 14, ministros do bloco se reunirão para, mais uma vez, tentar chegar a uma política comum para lidar com o fluxo de refugiados. Na mesa, estarão temas como o estabelecimento de cotas de entrada por país e política de retorno para imigrantes que não se enquadram como refugiados.
'COMÉRCIO DE COTAS'
Em junho, as cotas –defendidas por Berlim e Paris– já foram rejeitadas por países como a Eslováquia e a Hungria.
Para Gerver, uma opção seria o estabelecimento de um "comércio de cotas". "Ele poderia assegurar que os Estados que queiram receber menos refugiados paguem por esse 'privilégio'. Na teoria, isso encorajaria também quem recebe menos refugiados a aceitar mais pessoas, sabendo que serão recompensados", diz.
Os países europeus têm sido o destino de imigrantes e refugiados em sucessivas crises nos últimos anos –desde o fluxo gerado, na década de 90, com o fim da União Soviética e o conflito nos Bálcãs, até, mais recentemente, por grupos fugindo da guerra no Afeganistão, da ditadura na Eritreia, de disputas internas na República Democrática do Congo, do conflito na Ucrânia.
De 2011 até abril de 2015, cerca de 1,97 milhão de pedidos de asilo foram feitos nos 28 países da UE. A Alemanha foi a que mais recebeu, com 571 mil no período.
Os 262,5 mil refúgios concedidos entre 2011 e 2014, contudo, representam apenas 15% de todos os pedidos feitos. Alemanha e Reino Unido –não por acaso dois dos destinos mais procurados pelos estrangeiros– concederam refúgio em, respectivamente, 20% e 36,5% dos casos analisados em 2014.
A Hungria, por sua vez, analisou só 12% de todos os 42,7 mil pedidos feitos em 2014 e concedeu apenas 240 status de refugiados –4,5% das solicitações avaliadas.
Como o país é a porta de entrada para muitos que chegam à UE, os estrangeiros deveriam iniciar o processo de refúgio na Hungria. No entanto, a grande maioria dos sírios e afegãos que ingressam pelo país tentam desesperadamente seguir para a Alemanha.
Para Berlim, é impossível discutir a recepção de mais refugiados sem prever a "devolução" de imigrantes que não se enquadram no perfil de refugiado. Na mira estão principalmente os grupos que vieram dos Bálcãs.
Philippe De Bruycker, vice-diretor do Centro de Política de Migração do European University Institute, em Florença, diz que o chamado retorno precisa ser parte da solução europeia. "O problema é que muitos países simplesmente não conseguem pôr em prática o processo de retorno, que é extremamente burocrático e caro."