Foto de menino faz crescer doações a refugiados no Brasil
Imagem do corpo de Aylan Kurdi em praia gera onda de solidariedade; instituições chegam a recusar objetos
Refugiado sírio que chegou a São Paulo em 2014 conta ter recebido proposta de emprego em vagão do metrô
A comoção causada pela imagem do corpo do menino sírio Aylan Kurdi, 3, estendido numa praia na Turquia, se fez sentir nas instituições de caridade que ajudam refugiados no Brasil.
Deste o último dia 2, quando a foto foi divulgada, organizações de amparo brasileiras dizem ter registrado um aumento nas doações de itens de uso pessoal, móveis e ofertas de voluntariado –até propostas de adoção de crianças foram recebidas.
"Desde sexta-feira passada o telefone não para de tocar", diz Leticia Carvalho, da Missão Paz. "O que mais me marcou é que foi um movimento bastante espontâneo. Muitas pessoas acabaram divulgando nossa instituição, sem que pedíssemos, pelas redes sociais."
O relato é semelhante ao de Luiza Bodenmüller, da Cáritas, em São Paulo. "São pelo menos 15 ligações por dia e 20 e-mails referentes a doações para refugiados."
No caso da Missão Paz, a instituição chegou ao ponto de recusar alguns tipos de doações, como alimentos, eletrodomésticos e móveis. Desde maio, com a comoção causada pela vinda de imigrantes haitianos, sobrou pouco espaço para estocar o material recebido.
"Recebemos muitos móveis, fogões, sofás, camas. Muita coisa embalada, até", diz Leticia. "Mas temos que recusar esses itens maiores. Nós agradecemos e pedimos para redirecionarem a ajuda a outras instituições."
"Estamos desenvolvendo uma maneira de receber doações financeiras, porque já estamos muito bem abastecidos", afirma. "O que muitas pessoas estão fazendo, principalmente brasileiros que moram no exterior, é comprar pela internet os itens que a gente indica estar precisando, como fraldas, e mandam entregar aqui."
Segundo Leticia, a Missão Paz recebeu 65 propostas de voluntários que gostariam de trabalhar junto a refugiados somente entre os dias 3 e 9 de setembro –mas teve que recusar a maioria delas.
"Só podemos aceitar trabalhos remotos, como tradutores, por exemplo, que ajudam a gente por telefone ou e-mail. Todas as vagas aqui já estão ocupadas", relata.
Para Marcelo Haydu, diretor-executivo do Adus, instituição que também lida com refugiados, a comoção suscitada pelo fotografia de Aylan foi essencial para o crescimento nas doações.
"Temos visto imagens de muito adultos mortos, inclusive em alto mar, e isso não causou, nem de longe, toda essa comoção", afirma.
Haydu diz que as ofertas de ajuda chegam ao instituto de diferentes partes do Brasil. Pessoa chegaram a escrever pedindo, inclusive, para adotar crianças refugiadas.
SOLIDARIEDADE
O refugiado sírio Ali Jeratli, 27, que chegou ao Brasil no início de 2014, não se cansa de elogiar a solidariedade que testemunhou no país. "Ninguém me discrimina por ser estrangeiro", diz Jeratli.
Sem falar português quando desembarcou no aeroporto de Guarulhos, acompanhado de um amigo, Jeratli teve que usar a hora de wi-fi grátis do aeroporto para encontrar um hotel –"o mais barato"– para pernoitar.
Meses depois de chegar a São Paulo, chegou a receber uma proposta de entrevista de emprego no metrô.
Quando uma pessoa, no vagão, indagou se ele não estava com frio, ele respondeu que não, e que não era brasileiro. "Você fala árabe?", ela perguntou, ao descobrir que era sírio. "A pessoa me puxou e disse para eu acompanhá-la. Depois descobri que estava me levando para uma entrevista de emprego", conta.
"Fiz a entrevista e, só depois que me disseram que eu passei. Descobri que ia trabalhar para a Fifa, como tradutor, durante a Copa do Mundo. Foram 40 dias de trabalho, no total. Eu nem conseguia acreditar."
Hoje, Jeratli dá aulas de inglês no projeto Abraço Cultural, que emprega professores refugiados.