Transição na Argentina
Candidatos à Casa Rosada defendem reavivar diplomacia
Tanto governista quanto opositores falam em estreitar laços com Brasil e sair do isolamento da gestão Cristina
Relação bilateral esfriou nos últimos anos, com queda no comércio e desconfiança por parte do governo brasileiro
A eleição presidencial na Argentina marcará uma mudança na política externa do país vizinho, que nos últimos anos optou pelo isolamento sob o governo kirchnerista.
Os candidatos que concorrem no próximo dia 25 –tanto o nome da situação, Daniel Scioli, quanto os opositores Mauricio Macri (Mudemos) e Sergio Massa (Unidos para uma Nova Argentina)– prometem reabrir o país ao mundo e recuperar a relação com o principal sócio, o Brasil.
No segundo mandato de Cristina Kirchner (2011-15) e sob Dilma Rousseff, o Mercosul esfriou. Nos últimos quatro anos (de 2011 a 2014), o intercâmbio comercial entre os dois principais países do bloco encolheu em US$ 11 bilhões, e cada um tratou de buscar aliados no exterior.
A Argentina aliou-se à China e à Rússia, que trouxeram investimentos e ajuda financeira ao país, afastado do mercado internacional de crédito. Já Dilma, prometendo reativar o crescimento econômico e as exportações, escolheu Washington –e não Buenos Aires, como de costume– para seu primeiro destino internacional deste segundo mandato.
Ela também apostou em estreitar laços com outros países da América Latina em melhor situação econômica, como o México.
Ante o estancamento, setores empresariais brasileiros fizeram campanha para o Brasil acelerar as negociações com a União Europeia, deixando para trás o vizinho, ainda resistente ao tema.
"Quando eu era vice-chanceler, me reunia com meu par brasileiro a cada 60 dias. Isso não existe mais", contou à Folha o ex-vice-chanceler argentino Roberto García Moritán, a serviço da diplomacia do vizinho no mandato de Néstor Kirchner (2003-07).
"Com Cristina, começou a cair a qualidade da relação. Em 2011, piorou, com a escassez de dólares na Argentina. Depois, foi se degradando cada vez mais", afirmou.
Em 2013, a situação se agravou quando a mineradora Vale desistiu de megainvestimento para a exploração de potássio em Mendoza.
O caso virou problema diplomático e, desde então, cada encontro entre Dilma e Cristina foi marcado por uma frieza que contrasta muito com a efusividade da relação de Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner (1950-2010).
'BOLIVARIANOS'
Na campanha eleitoral, o favorito Daniel Scioli encontrou-se com lideranças latino-americanas alinhadas a Cristina. Recebeu os ex-presidentes Lula e José Mujica (Uruguai), além do boliviano Evo Morales. Na próxima terça (13), encontra-se com Dilma Rousseff em Brasília.
O apoio do PT ao candidato de Cristina irritou a oposição, que critica a diplomacia regional do kirchnerismo. "Essa aproximação não é verdadeira. Muita retórica, nenhuma substância. Precisamos de um ciclo novo, de mais ação", diz Diego Guelar, assessor de política externa de Macri.
"Cuidado para não supervalorizar as coisas: a política externa do Brasil não é Lula, assim como a do Uruguai não é Mujica", minimizou Sebastián Velesquen, diplomata a serviço de Sergio Massa.
Para Velesquen, reaproximar-se do Brasil é algo necessário para a Argentina resgatar a credibilidade externa.
"Se seus vizinhos não falam bem de você, como os outros podem acreditar? Recompor a confiança internacional começa por restabelecer a credibilidade com o Brasil."
Tanto Massa quanto Macri assumiram posições críticas ao governo da Venezuela, o que pode gerar ruído com o Brasil, que optou por se manter em silêncio sobre a prisão do opositor Leopoldo López.
Macri disse que, se eleito, pressionará o Mercosul a se posicionar contra Nicolás Maduro. "Vamos exigir a liberação de Leopoldo López", afirmou o candidato. "Maduro tem que respeitar as liberdades e o papel dos opositores."
Velesquen também criticou o governo da Venezuela e chama de "aberração" o caso de López. Scioli, por sua vez, mantém silêncio sobre o caso, assumindo a mesma posição de Cristina e do Brasil.
Assessores do governista dizem que, caso ele seja eleito, 50% da política externa do país passará pelo Brasil.
"Scioli fez vínculos com o empresariado paulista e está afinado com o governo brasileiro. Ainda não há medidas específicas definidas, mas há vontade política. O Brasil é uma prioridade, e Scioli irá fortalecer essa relação", disse o coordenador da campanha de Scioli, Jorge Telerman.