Indigentes lotam necrotério em Déli
Por ELLEN BARRY
NOVA DÉLI - A maioria das pessoas desgarradas em Déli acaba aqui, em uma sala fria revestida de metal no necrotério Sabzi Mandi. Elas são postas em todas as superfícies disponíveis, incluindo o chão. Em alguns casos, partes dos corpos se projetam dos sacos plásticos em que os cadáveres são guardados. Em um canto, corpos estão apinhados no chão.
"Eles ficam empilhados", disse o médico legista do necrotério, L. C. Gupta. "Onde mais poderíamos colocá-los?"
Segundo funcionários do necrotério, raramente o governo fornece suprimentos, inclusive os mais básicos, como desinfetantes. Então, eles trazem sabão de casa para lavar as mãos após manusear os corpos, muitos dos quais estão infectados com tuberculose.
Em média, a polícia local registra a descoberta de mais de 3.000 corpos não identificados por ano -não por estarem irreconhecíveis, mas por não portarem documentos nem haver alguém para reconhecê-los.
Trata-se de um número extraordinário. Em Nova York, 1.500 sem-tetos ou indigentes são enterrados anualmente em valas comuns na ilha Hart, porém a média dos que permanecem sem identificação é de cerca de 50. Em Déli, é comum encontrar desconhecidos mortos. Por lei, fotos de seus cadáveres devem ser publicadas em jornais e afixados em delegacias de polícia, sob o cabeçalho dickensiano "Comunicado de Clamor Público".
O protocolo requer que o necrotério mantenha cada corpo por 72 horas, para que parentes tenham a possibilidade de ver os anúncios e reivindicar o morto, mas Gupta informou que isso raramente acontece. "Ninguém lê esses anúncios", disse ele.
Indagado se os policiais não deveriam investigar esses casos, Gupta deu um sorriso lacônico e respondeu: "Eles podem ou não tentar".
Esta cidade não é clemente com os pobres. Basta circular de carro à noite em Nova Déli para ver uma profusão de homens, mulheres e crianças dormindo ou tentando dormir encolhidos nas calçadas.
Essas pessoas -os "moradores de rua"- figuram em artigos ocasionais nos jornais sobre motoristas alcoolizados cujos veículos atropelam uma fileira de mendigos adormecidos.
Os mais desesperados se reúnem ao redor de templos, onde hindus praticantes costumam distribuir alimentos para os pobres após uma morte na família.
Mohammad Yamin, investigador da delegacia de polícia no Kashmere Gate, disse que frequentemente famílias abandonam parentes muito doentes no templo de Hanuman ali perto, pois não conseguem vagas para eles em hospitais públicos.
Mas a maioria dos mortos não identificados é do sexo masculino e parece vir de outro grupo: homens de vilarejos distantes, enviados para a cidade na adolescência ou na faixa dos 20 anos para ganhar dinheiro como condutores de riquixá ou mão de obra casual. Eles são abatidos pelas condições de vida inóspitas e as variações extremas de temperatura.
Harsh Mander, assistente social e ativista que encabeçou em 2010 uma análise de corpos não identificados em Déli, descobriu que a idade média dos homens que morriam sozinhos aqui era 42 anos.
Registros da polícia apresentam explicações muito vagas. Em geral, apontam a causa de morte como "natural", porém outros citam "doença/fraqueza", "devido a fome ou sede", "devido a calor ou frio extremo", "acidente", "tuberculose", "suicídio" ou, peculiarmente, "tipo mendigo". A polícia geralmente acha os corpos, muitas vezes totalmente nus, nas imediações de trilhos de trem ou em acostamentos de estradas. Certa vez, Yamin achou o cadáver de um homem e conseguiu descobrir sua identidade.
Ele levou o corpo até seu vilarejo de origem, onde seus tios ainda viviam. Porém, eles disseram secamente: "Há muitos anos e ainda jovem, ele vendeu sua casa e seus pertences. Seus pais já morreram. Faça o que achar melhor com o cadáver".