Ruy Castro
Sem que eu soubesse
RIO DE JANEIRO - Foi numa Primavera dos Livros --como a que acontece hoje no Rio, e nos mesmos jardins do Museu da República, no Catete. A Primavera é uma feira anual de livros, promovida há 15 anos pelas editoras mais modestas, que não sonham competir com as gigantes e se propõem a trabalhar somente com títulos que seus proprietários amam. Sua produção nem sempre chega às livrarias, e elas só conseguem expô-la na Primavera dos Livros. A qual comporta ainda palestras e debates sobre literatura.
Marquei presença em todas, como palestrante ou simples amante dos livros. E, como eu dizia, foi numa delas, a de 2006, que a história aconteceu. Flanando pelos estandes, parei no da Nova Aguilar, então sob Sebastião Lacerda e famosa por seus livros em papel bíblia com a obra completa de grandes escritores. Claudio Lombardi, parceiro de Sebastião, me disse: "Ruy, está na hora de fazermos o livro de sua obra. O que acha?"
Fiquei lisonjeado, mas havia um problema técnico. "Obrigado, Lombardi, mas vocês publicam obras completas. E a minha ainda não está completa. Ao contrário, estou cheio de planos". Lombardi não se abalou: "Não é bem assim, Ruy. Publicamos também seletas, antologias abrangentes, com um pouco de tudo que o sujeito escreveu". Ouvi aquilo e gostei. Era um sábado. Trocamos telefones e ficamos de nos falar na segunda-feira.
Pois aconteceu que, depois de formigamentos suspeitos no domingo --aliviados por um almoço de feijão tropeiro, como está no livro "O Oitavo Selo", de Heloisa Seixas--, sofri um infarto na segunda. Seguiram-se internações, exames, eletros, enzimas. Ganhei um stent numa coronária. Dias depois, deram-me por salvo e me mandaram para casa.
Sem que eu soubesse --e ao contrário do que pensava--, minha obra, quem diria, já poderia estar completa naquele sábado.