Ana Lúcia Duarte Lanna
Patrimônio cultural, um bem comum
Temos o grande desafio de transformar o patrimônio cultural de São Paulo em um bem comum, reconhecido e respeitado pelos cidadãos
O professor Carlos A.C. Lemos é referência obrigatória quando se pensa em questões e desafios do patrimônio cultural paulista. Estudioso do tema, foi técnico e membro do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico). Conhece na teoria e na prática os enormes desafios e limites relacionados à salvaguarda da memória.
Em artigo publicado na Folha de 29/10, o professor aborda um dos temas mais desafiadores da gestão dos bens culturais: a garantia da preservação dos bens tombados. Retomo os dois exemplos destacados por ele. A ameaça à integridade física dos bens pode, no limite da atuação do órgão de preservação, significar a realização de ações emergenciais.
Foi assim que o Condephaat agiu em relação ao Casarão Julia Ferraz, em Atibaia (a 64 km de São Paulo). Os sérios riscos que incidiam sobre o imóvel foram constatados em vistorias técnicas. A necessidade de intervenção, a definição dos escoramentos, a aprovação e a realização das obras emergenciais se deram em tempo recorde.
Ações de conservação e preservação devem, por força da lei, ser executadas por seus donos. O ato de tombamento não altera a titularidade do bem, cuja manutenção e eventual restauro são responsabilidade do proprietário.
Ao Condephaat cabe orientar a elaboração e aprovar projetos, de modo que as intervenções sejam realizadas de forma adequada.
A Casa Bandeirista do Itaim é marcada por problemas semelhantes. O Condephaat agiu durante anos para salvaguardá-la. Quando conseguiu-se um acordo de recuperação, o edifício, como relata o professor Carlos A.C. Lemos, "tornou-se ruína irrecuperável".
A solução adotada foi discutida e aprovada pelos órgãos de preservação e o projeto realizado respeitou as cartas internacionais das quais o Brasil é signatário. O processo informa a qualidade da pesquisa e da criteriosa proposta de intervenção.
Esclarecidas as questões relacionadas a esses dois imóveis, resta um problema maior, mencionado no artigo do professor. Como garantir a conservação de um bem tombado?
É preciso ampliar possibilidades de parcerias entre proprietários e poder público, políticas de incentivo e buscar fundos públicos e privados destinados à preservação, por exemplo. O Condephaat e a Secretaria estadual da Cultura vêm investindo na conservação do patrimônio histórico paulista.
Hospedaria dos Imigrantes, Museu Casa de Portinari, Igreja da Ordem Terceira e o núcleo histórico de São Luis do Paraitinga, neste caso em colaboração com o governo federal e a prefeitura, são restauros concluídos recentemente. Outros estão em andamento. O qualificado corpo técnico do Condephaat realiza vistorias, orienta ações e indica possibilidade de salvaguarda.
Considerando o enorme patrimônio paulista protegido por tombamento, essas ações são insuficientes, mas indicam a preocupação permanente com a questão.
As experiências mostram o longo caminho para que o patrimônio cultural seja reconhecido como política pública em diálogo com tantas outras. Temos o grande desafio de transformá-lo em um bem comum, reconhecido e respeitado pelos cidadãos.