Ruy Castro
"Kalu" em Abbey Road
RIO DE JANEIRO - Quando Marlene Dietrich veio ao Rio, em 1959, para cantar no Copacabana Palace, Sergio Porto escreveu que a visita tinha 36 anos de atraso. Segundo ele, o Copa convidara Dietrich para sua inauguração em 1923, mas o "Anjo Azul" não vira sentido em sair de Berlim e se desabalar para tão longe. E se, agora, aceitara vir ao Brasil era porque já estava "pela bola sete".
Era só uma blague porque, em 1923, Marlene mal existia e ainda levaria sete anos para fazer "O Anjo Azul". E se, aos 58 anos, estava vindo ao Brasil, era porque se tornara uma cantora e vivia pelos palcos do mundo. Mas estava longe de ser uma anciã --o jovem Burt Bacharach, que viajava com ela, não era apenas seu pianista. Dois anos depois, Marlene faria mais um importante filme, "Julgamento em Nuremberg", e teria uma bela tarde a sós com o presidente Kennedy na Casa Branca.
O que Sergio queria dizer, com um certo complexo de vira-lata, é que os grandes cartazes só vinham ao Brasil em fim de carreira. Mas não era verdade. O Rio sempre foi visitado por astros no auge: Sarah Bernhardt, Caruso, Isadora Duncan, Mistinguett, Josephine Baker, Maurice Chevalier, Bing Crosby, Edith Piaf, Nat "King" Cole.
É verdade que, dos Beatles, só Paul McCartney se aventurou por aqui, e muito depois do fim do conjunto. Mas, de algum tempo para cá, Paul não sai do Brasil. Parece vir de três em três meses, e cada vez mais desfrutável. Vai acabar no programa do Gugu.
E daí? Ele é um Beatle, e tudo que o cerca parece mágico. Abbey Road, por exemplo. Era o título de um disco, o cenário de uma foto e um lugar de onde saíam maravilhas. E saíam mesmo. Abbey Road é o endereço da EMI em Londres, e milhares de artistas gravaram lá antes dos Beatles. Uma delas, a nossa Dalva de Oliveira. Sim, foi em Abbey Road, em 1953, que Dalva gravou seu imortal "Kalu".