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Tranquilo Uruguai
Em 1° de março, o Uruguai trocará de presidente. José Mujica, que conquistou simpatia mundo afora por despachar em sandálias, passará a faixa ao aliado Tabaré Vázquez, que, um dia depois de eleito, atendeu aos seus pacientes na clínica onde trabalha como médico.
Calculados ou não, os gestos de ambos condizem com o tranquilo clima político uruguaio. O segundo turno, realizado no domingo (30), não provocou maiores turbulências sociais ou econômicas.
A vantagem folgada dos governistas decerto contribuiu para isso. Candidato da agremiação esquerdista Frente Ampla, Vázquez derrotou, por 53% a 41%, Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (Blanco). Voltará ao cargo que ocupou de 2005 a 2010 e do qual saiu com aprovação de 70% --não é permitida a reeleição imediata no país.
A continuidade da Frente Ampla resulta, em parte, do bom desempenho econômico. O PIB deve crescer 2,8% neste ano, mais que o dobro da América Latina (1,3%).
A violência é a principal preocupação da população, mas o Uruguai tem a menor a taxa de homicídios da região: 8 por 100 mil habitantes, um terço da brasileira.
O Uruguai também destoa em relação à verborragia que toma conta das eleições latino-americanas. As promessas de Vázquez são modestas: ampliar a assistência social, aumentar os recursos para a educação e melhorar o acesso à saúde.
Ainda caberá ao novo presidente a espinhosa tarefa de administrar a legalização da maconha aprovada na gestão de Mujica --o Estado produzirá, distribuirá e venderá a droga, após regulamentação a ser definida no começo de 2015. Trata-se de medida ousada que, se bem-sucedida, será referência na busca por alternativas ao fracassado modelo de repressão ao narcotráfico.
Estável e capaz de promover debates maduros, não é surpresa que, no âmbito do Mercosul, o Uruguai seja o país que menos preocupação causa ao Brasil --aliado na crítica ao protecionismo argentino, ajuda a pressionar o bloco por acordos econômicos com o mundo.
As reduzidas dimensões do Uruguai, é claro, dificultam comparações com Brasil e Argentina --seu território é menor que o do Paraná, e sua população de 3,4 milhões cabe na zona leste de São Paulo.
As diferenças de escala e as especificidades não permitem que o Uruguai seja um modelo, mas bem que poderia servir de inspiração.