Ruy Castro
Do tempo de Aristóteles
RIO DE JANEIRO - Em 1968, Décio Pignatari dizia que a educação no Brasil só tomaria jeito no dia em que houvesse um computador em cada sala de aula. Ao ouvi-lo dizer aquilo, ao redor de um picadinho no Parque Recreio, no Flamengo, José Lino Grünewald e eu embatucamos. O único computador que conhecíamos era o monstro de 1 milhão de válvulas de "2001 --Uma Odisseia no Espaço", recém-lançado. Como seria possível um bichão como Hal em cada sala de aula?
Mas, vinda de Décio, a afirmação fazia sentido. Sua própria poesia parecia implorar por um computador para ser feita. Nos anos seguintes, em livros sobre linguagem e comunicação, Décio desenvolveria aquele conceito. Seu colega canadense Marshall McLuhan --de quem ele foi o primeiro tradutor no Brasil-- também acreditava no fim da linguagem lógica, analógica, aristotélica, com começo, meio e fim, e na tomada do poder pelos computadores. Era o mundo pós-verbal a caminho.
Um dia, como Décio parecia adivinhar, os computadores encolheram. Dispensaram as válvulas, tornaram-se portáteis e ficaram ao alcance de qualquer um --até dos ágrafos, dos que nunca tinham saído do estágio pré-verbal. E, antes de haver um computador para cada sala de aula, a proporção passou a ser de um para cada aluno da classe.
A partir dos anos 90, Décio e eu, que pena, nos afastamos. Mas, assistindo à escalada vertiginosa da cibernética, sempre o imaginei atrelado a seu PC, integrado ao mundo digital, simultâneo e aleatório com que sonhara.
Pois caí das nuvens, outro dia, ao ler na "Ilustríssima" que Décio não usava computadores. Só recebia e-mails impressos, que respondia a mão e alguém digitava por ele. Assim como era a mão que compunha seus textos, em cadernos espiralados, ou, no máximo, os datilografava numa Olivetti quase do tempo de Aristóteles.