Julio Wiziack
Vítima nada
Depoimentos de executivos de empreiteiras pegas na Lava Jato revelaram que elas formaram um grupo para pagar propina na Petrobras em troca de contratos que eram divididos entre si.
Integrantes do governo apressaram-se em dizer que a Petrobras foi vítima desse cartel. Mas, se tudo aconteceu como contam os delatores, não pode ter havido cartel, pois a estatal foi parte do esquema montado que assaltou os acionistas.
Cartéis são grupos de empresas concorrentes que se juntam para combinar preços, acertar volume de produção ou dividir mercado. O resultado é o aumento dos preços e do lucro.
Ao que parece, tudo isso ocorreu entre as empreiteiras. Mas um cartel só pode existir se os integrantes do clube exercem poder --eles precisam ser os donos do mercado para decidir o que fazer e como fazer.
Que poder tiveram essas empresas se o mercado está inteiramente nas mãos da Petrobras? Graças a uma mudança na legislação, feita em 1998, a companhia ganhou o direito de fazer suas compras sem recorrer às licitações, exigência que vale no setor.
De marmitex a parafuso, passando por tubos, equipamentos até chegar às plataformas, quase tudo foi contratado por meio de convite. A Petrobras decidiu quem prestaria serviços. Ou seja: ela exerce o poder.
As obras e os serviços prestados ficaram mais caros não por causa da atuação desse grupo, mas devido à corrupção na própria Petrobras --simples assim.
Tratá-la como vítima é desperdiçar a oportunidade de, pelo menos, fazer um exame de corpo de delito na companhia. Somente quatro executivos da empresa foram capazes de criar e manter um esquema de desvios bilionários? Onde estavam os funcionários que viram o dinheiro escoar por esse duto? O que aconteceu com aqueles que denunciaram o esquema, como a geóloga Venina Velosa da Fonseca?
Denúncias de irregularidades na Petrobras foram investigadas pelo Congresso desde a década de 1950, o que mostra que as estruturas para malfeitos sempre encontraram espaço na empresa.
Na CPI da Petrobras encerrada em 1993 se apurou a suposta existência de um esquema parecido com o atual. Deu em nada. No relatório final, os parlamentares disseram ter preferido "a apuração das eventuais responsabilidades por atos lesivos e menos a avaliação da política da empresa".
Hoje investidores estrangeiros já entram com ações pedindo não só explicações, mas reparações. Os papéis da estatal despencaram, e o escândalo pode afetar a própria economia do país. A vítima, portanto, não é a Petrobras. São os acionistas da companhia e todos os brasileiros que, direta ou indiretamente, pagarão essa conta.