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O dólar na balança
Apesar de desvalorização do real, Brasil deve terminar o ano com deficit comercial; país precisa se adaptar ao novo contexto global
Pressionado pelo ambiente internacional conturbado e pelas incertezas econômicas internas, o real atingiu na semana passada o nível mais desvalorizado em dez anos: R$ 2,76 para 1 US$.
A moeda brasileira perde valor desde 2011 sem que o país tenha se beneficiado da contrapartida esperada. O estímulo às exportações, que ganham competitividade com o real mais barato, ainda não passou da teoria à prática.
Tudo leva a crer que o país, neste ano, terá feito mais importações do que exportações, numa situação inédita desde 2000. O Banco Central projeta, além disso, um rombo de US$ 86,2 bilhões (4% do PIB) nas contas externas (o saldo das transações de bens e serviços com o restante do mundo).
Em parte, os problemas se explicam pelo contexto global. A queda dos preços das matérias-primas, reflexo da desaceleração da China, é uma das principais razões. O preço do minério de ferro, o maior item da pauta de exportações brasileiras, caiu pela metade neste ano.
Os bens manufaturados, por sua vez, sofrem com a crise na Argentina. Com vendas de US$ 3 bilhões para o vizinho, o segmento automotivo registra queda de 40% em relação a 2013. Ao todo, as negociações externas acumuladas até novembro ficaram em US$ 207,6 bilhões, patamar 6% inferior ao do ano passado.
O saldo só não foi pior porque o desaquecimento interno refreia as importações. As compras de máquinas e equipamentos e bens intermediários estão em contração, evidência da baixa disposição das empresas brasileiras para investir.
É certo que o efeito do real mais barato aumenta a rentabilidade da atividade exportadora e, ao longo do tempo, atrairá investimentos para setores de bens manufaturados nos quais o Brasil já foi competitivo. Trata-se de processo lento, porém; levará anos, não meses.
Além disso, não há garantia de sucesso, pois o cenário internacional continuará pouco favorável. Depois da onda de globalização da década de 2000, com o avanço no comércio mundial propiciado pela China, a perspectiva é de dinamismo menor. Ganhar mercado será mais difícil em uma economia global que cresce menos.
O Brasil, ademais, perdeu oportunidades de conquistar espaço nas cadeias de valor que se internacionalizaram. A integração dependerá sobretudo da celebração de acordos comerciais de envergadura, o que implicará maior abertura à concorrência global.
No plano doméstico, será preciso reduzir custos, sobretudo os ligados a logística e tributos, além de dar um salto de produtividade. Nenhuma dessas tarefas será realizada da noite para o dia.