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Guerra sem fim
Mais um ano termina sem que a guerra civil na Síria tenha chegado a bom termo. Os combates, iniciados em março de 2011 ainda no contexto da Primavera Árabe, arrasaram a economia do país e causaram verdadeira convulsão social.
Aproximadamente 6,5 milhões de sírios foram deslocados pelas tormentas do conflito --35% da população-- e outros 3 milhões fugiram para outros países. Cerca de 200 mil pessoas morreram, em meio a massacres e graves violações de direitos humanos.
No início uma luta com o propósito de derrubar o ditador Bashar al-Assad, cuja família domina o país há 45 anos, a guerra aos poucos tornou-se mais complexa com o aparecimento de outros grupos insurgentes. Radicalizou-se ainda mais neste ano, com a irrupção da milícia Estado Islâmico.
O prolongamento das hostilidades sob essas circunstâncias deixa marcas profundas na cultura e na história síria. Relatório divulgado na semana passada pela ONU apontou a destruição de parte importante do patrimônio histórico do país, um dos mais relevantes do mundo, bem como constatou que o contrabando de antiguidades se tornou prática corrente e fonte de recursos para facções locais.
Segundo o levantamento, 290 sítios arqueológicos foram danificados na Síria. Desses, 24 terminaram totalmente destruídos, e 104 seriamente afetados. Entre os locais mais ameaçados está o "Crac des Chevaliers", forte construído no século 11 no período das Cruzadas.
A relação entre conflitos e a destruição ou a pilhagem de tesouros históricos não é nova. Estima-se que a Guerra do Iraque tenha propiciado o tráfico de dezenas de milhares de artefatos arqueológicos e comprometido locais que continham resquícios de antigas civilizações mesopotâmicas.
É verdade que muitos museus europeus devem parte de seus acervos ao roubo de peças de países africanos e asiáticos.
Mas o relatório da ONU não pretende anunciar uma novidade. Tem a intenção de divulgar informações sobre a destruição cega das riquezas da Síria e usar o motivo cultural como argumento em favor de um cessar-fogo.
Apesar de improvável, fica a esperança de que o apelo à memória do país permita alcançar aquilo que os atores do conflito e a comunidade internacional não conseguiram até agora.