André Sturm
É correta a proposta de limitar o número de salas de cinema para um único filme?
SIM
A concentração de telas
Em 19 de novembro de 2014 estreou no país o filme "Jogos Vorazes: Em Chamas". Estreou em quase 1,4 mil cinemas. Foi uma "feliz" coincidência. Feliz porque o debate sobre o excesso de salas ocupadas estava finalmente na pauta e o filme tem esse sugestivo título que expõe bem o assunto: a ocupação voraz das salas de cinema no país por poucos títulos lançados cada vez mais em circuitos maiores.
"Se o filme estreia em tantas salas é porque muita gente vai vê-lo". Faz sentido. Aí pergunto: "Será que tanta gente vai ver o filme porque ele está em tantas salas?". Nesse caso, é um único filme ocupando quase metade das salas de todo o país.
Mas o maior problema não está nesse número. Está, sim, em ocupar muitas salas nos mesmos complexos. Em diversas semanas de 2014 houve situações em que na maioria dos complexos de salas tínhamos apenas três filmes em cartaz. É uma ocupação "voraz" do circuito que não deixa alternativa para quem deseja ir ao cinema.
Ou você vê aquele filme ou um dos três que ocupam quase todas as telas ou não vai ao cinema. Isso é ruim para todos. Para os produtores e distribuidores que têm menos espaço para seus filmes, para os próprios exibidores que ficam reféns desses títulos e, mais que tudo, para o consumidor, que tem suas possibilidades limitadas.
Quando, por exemplo, a Nestlé comprou a Garoto e ficaria com 70% do mercado de chocolate, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) considerou situação de monopólio. E o que dizer de três filmes ocuparem todas as telas da maioria dos complexos?
Dezenas de filmes estreiam todos os anos com circuitos apertados. Com poucas salas para estrear, seus distribuidores não conseguem fazer publicidade. As pessoas nem ficam sabendo desses filmes que entram e saem de cartaz. Aí alguns dizem: "Viu só? Ninguém queria ver esse filme". Falácia completa.
Um exemplo desse círculo vicioso foi o filme "O Lobo Atrás da Porta". Exibido e premiado em mais de 20 festivais internacionais, vendido para 23 países, estreou na cidade de São Paulo em menos de cinco cinemas. Um filme excelente, com uma trama bem urdida, ótimos atores, ritmo preciso. Entrou e saiu de cartaz desconhecido.
Na semana em que "O Lobo..." estreou em São Paulo em suas poucas telas, um outro título "hollywoodiano" estreou em 114 salas enquanto as outras dez estreias se dividiram em 35 salas.
Outro argumento é que eventualmente pessoas não conseguirão assistir ao título com ele sendo exibido em menos telas. Ora, a pessoa volta em outra sessão ou, eventualmente, em outro dia. Ainda mais hoje em que se pode comprar ingressos com antecedência pela internet. Os filmes ficarão mais tempo em cartaz, em menos salas. E mais filmes vão estrear em mais salas. Quem gosta de ir ao cinema com frequência terá mais opções.
Depois de seis meses de conversas na câmara técnica convocada pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), com a presença dos principais exibidores do país, além de distribuidores e produtores, chegou-se a um acordo para limitar o número de telas no mesmo complexo em 30% exibindo o mesmo título.
Por que 30%? Porque se três títulos ocuparem o limite cada, ainda sobrará uma sala para um quarto filme. Todos concordaram com a necessidade de se fazer algo. Foi feita uma tabela que, em alguns casos, amplia o limite para quase 35%.
Arrisco dizer que é um evento inédito um ação de regulação de mercado na área cinematográfica com essa relevância. Tenho certeza que no futuro vamos lembrar dessa medida como algo que marcou a história do cinema no Brasil.
Um evento que trouxe benefícios para toda a cadeia (produtores, distribuidores e exibidores). E, acima de tudo, para os brasileiros que terão mais diversidade nas suas opções de lazer e cultura.