Ruy Castro
Apêndice inflamado
RIO DE JANEIRO - Todo governante acuado por acusações de corrupção recorre a três clichês de monótona previsibilidade. O primeiro é prometer uma investigação em que não ficará "pedra sobre pedra". Pois sim. Se cumprisse a palavra, descobriria, por baixo da última pedra, a colônia de escorpiões, lacraias e outros bichos de que se compõe seu governo. Só que nem uma pedra é tirada do lugar. A pirâmide continua intacta, e ai se não houver organismos como a Polícia Federal, o Ministério Público e o STF para tentar desmontá-la.
Segundo clichê. Na sequência de suas técnicas de encenação, o mandatário garante que essa investigação de ilícitos e malfeitos não poupará seus cúmplices --digo, aliados-- e que ela será feita "doa a quem doer". Mas só dói se você rir. A investigação é indolor e não provoca cócegas nem nos seus alvos mais notórios. Talvez porque estes saibam demais e seu poder de retaliação seja total --deixando entender, por exemplo, que, se apanhados, não cairão sozinhos. Para desespero do governante, no entanto, a lei dispõe agora de um recurso --diabolicamente legal e letal-- com que ele não contava: a delação premiada.
Terceiro clichê. Uma incisiva e vã saída do governante acuado é a de anunciar que irá "cortar na própria carne". Sim, há governantes que, para se salvar, abandonam ou entregam um ou outro subordinado. Mas sempre de comum acordo com este e contando com uma leniência futura. Isso não é cortar na própria carne, mas na carne alheia.
Cortar na própria carne seria fazer como aquele médico soviético, Leonid Rogozov, que, em 1959, na Antártida, desinfetou o ambiente e com a ajuda de um simples espelho para enxergar o que estava fazendo, operou a si próprio para se livrar de um apêndice inflamado.
Mas, e se o próprio governante for esse apêndice, e, pior, inflamado?