Editoriais
Tertúlia em Roraima
As circunstâncias que cercavam Suely Campos (PP), recém-eleita para comandar Roraima, já não eram das mais corriqueiras. No ano passado, entrou na disputa estadual só na última hora, depois que seu marido, o ex-governador Neudo Campos (PP, 1995-2002), viu-se barrado pela Lei da Ficha Limpa.
Vitoriosa no segundo turno, com 55% dos votos, Suely, 61, acrescentou o que parecia um gesto isolado: reservaria a Casa Civil para seu marido. Uma vez no cargo, entretanto, a primeira mulher a chefiar o Estado mudou de ideia; a pasta não seria mais entregue ao cônjuge, e sim a uma de suas filhas.
Depois a governadora dedicou-se a uma chusma de atos que tornariam ainda mais insólita sua situação. A Secretaria Estadual de Trabalho e Bem-Estar Social, por exemplo, foi ocupada por outra filha; a da Educação ficou com uma irmã, e esta terá como braço direito ninguém menos que um irmão.
Ampliando o círculo familiar, Suely favoreceu desde cinco sobrinhos de seu marido, que cuidarão de pastas como Saúde e Gestão, até o marido de uma prima, encarregado do Instituto de Terras.
Somados entes próximos e distantes, a governadora nomeou 19 parentes para postos de destaque, segundo o Ministério Público. Apontando irregularidade nas canetadas, o órgão pediu a exoneração dos servidores --juntos, eles receberão R$ 398 mil por mês.
O governo estadual, claro, discorda. Em nota, afirmou ser "prática comum na história de Roraima a nomeação de pessoas próximas aos gestores para ocupar importantes secretarias" e sustentou que as designações "encontram-se revestidas de legalidade".
De fato, existe no próprio Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a súmula vinculante que proíbe o nepotismo na administração pública, aprovada pela corte em 2008, não se aplica aos cargos de natureza política.
Ocorre que a ressalva não é absoluta. Em julgamentos recentes, ministros do STF indicaram que a configuração do nepotismo depende de um exame caso a caso.
Não parece haver dúvidas de que, em Roraima, as nomeações ultrapassam qualquer limite do que seria aceitável em termos de moralidade pública. Há de ser matematicamente impossível que a governadora tenha 19 parentes aptos a satisfazer critérios que devem reger a administração estatal, como impessoalidade e eficiência.
Enquanto a Justiça não tomar providências, Suely Campos continuará fiel ao que disse após ser consagrada nas urnas: "Implementarei políticas para mulheres, para jovens, crianças, para a família". Sim, principalmente para a família.